sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Dica de leitura

A capa do livro traz a foto de um manuscrito de Tomé
   Tomé - da mesma forma que Mateus, Marcos, Lucas e João -, é um evangelista. Em 1945, durante uma expedição arqueológica no alto-Egito, foi revelada, ao mundo, a existência do quinto Evangelho, escrito em linguagem copta. Ciente da descoberta, a Igreja Romana classificou as sentenças codificadas por Tomé como “apócrifas”, hereges, contrárias aos dogmas eclesiásticos. Por essa decisão, a nova luz não foi incorporada à Bíblia. Porém, o fato deixa marcas e um questionamento a ser feito: que tipo de transgressões sofreram os evangelhos, ditos canônicos, nos tempos em que as informações sobre o Cristianismo eram concentradas nos calabouços monásticos?

   Como, neste blog, não há o menor compromisso com o fundamentalismo, indico, amplamente, a leitura do Evangelho Segundo Tomé. Nele, Jesus brilha com suas parábolas espirituais e demonstra a energia cósmica do Cristo Redivivo.

   “Jesus disse: Se vossos guias vos disserem: o Reino está no céu, então as aves vos precederam: o reino está no mar, então os peixes vos precederam. Mas, o Reino está dentro de vós, e também fora de vós. Se vos conhecerdes, sereis conhecidos e sabereis que sois filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis em pobreza, e vós mesmos sereis essa pobreza”[1].



[1] Terceira sentença escrita por Tomé

Cena de amor

    Solitário, em meio à multidão, um grande amigo me convidou para passearmos. A noite estava órfão de beleza, como eu jamais havia visto. Os anjos pareciam ocultar os seus olhos estelares, e o céu, sem adornos, não chamava atenção de ninguém. Caminhando pelas ruas, pensei em fazer versos; queria alegrar a triste alma que me acompanhava. Não consegui. Intimamente, só pensava na ausência daquelas lágrimas azuis, que se põe no firmamento. Ainda em silêncio, vimos algumas crianças malvestidas, remexendo o lixo. Perplexo, comentei com o meu amigo: – Procuram comida. Ele suspendeu o semblante, outrora cabisbaixo, e caminhou em direção aos pequeninos. – Onde vai?, perguntei, tentando impedi-lo, mas nada pude fazer. O movimento possível me permitiu ver em seus olhos o sentimento terno pelas misérias alheias.

   Havia ali perto, um pequeno bar. Entregou-me uma nota e pediu que eu fosse comprar comida, para dividir entre todos. Considerei arriscado ficar naquele lugar escuro, cheio de becos e de sons estranhos. De vez em quando, ouvia-se uma gargalhada de gente ébria. Compadecido pela atitude do meu amigo, esqueci as objeções e fiz o que ele me pediu. Ao voltar, trazia, em sacolas, bebidas, sanduíches e doces.  Foi lindo ver aquelas crianças, sentadas no meio-fio, ouvindo um dedinho de prosa. Os estômagos vazios suportavam a fome, porque o coração estava se enchendo de sonhos. O cheiro de comida, porém, mexeu com todos, e eu, prontamente, comecei a servi-los.

  Era bonito e, ao mesmo tempo, aflitivo ver a forma com as crianças comiam. Certamente, gozavam de enorme felicidade, mas o apetite, de tão enganado, devorava o lanche. Parecia ter medo de estar vivendo uma ilusão. As mãos franzinas quase sumiam a cada bocada, e o molho que escorria pelos dedos levava lambidas. Cada sabor tinha o seu significado. Vi crianças comendo iguais a lobos famintos.

  Após o lanche, o meu amigo, novamente, surpreendeu-me. A minha visão limitada da vida já considerara aquele gesto algo sublime e digno de aplausos. No entanto, o dono da atitude não pensava assim. Naquele momento, para ele, nada poderia ser mais importante do que as crianças. Elas, sim, eram as artistas da noite. Convencido disso, o nobre camarada sentou-se no chão e perguntou se elas queriam ouvir uma estória.

   – Queremos!, disseram todas.

  – Por favor, não vá embora, temeram algumas.

  Preocupado com a hora, disse-lhes que eu não poderia ficar. De repente, uma mãozinha quente, tocou-me as costas e pediu: – Fica, tio. Não pude recusar. A palavra veio com tamanha energia que me arrebatou e convenceu. Esqueci os compromissos, desliguei o celular e perguntei ao meu amigo: 
   – Que estória contará a essas crianças? Também quero ouvi-la.

   – Falarei de humanidade.

   – Como? Isso é muito complexo, envolve política, guerras, impérios, filosofias...

   – Eu disse humanidade, enquanto sentimento, e não a reunião de fatos sobre o que fez o homem sobre a terra desde os primórdios.

   Calei-me para escutá-lo. A maneira como negara a minha afirmação fora gentil e abrira um poço de curiosidade dentro de mim. Enquanto, eu imaginava grandes teorias, ele vinha com uma simplicidade autêntica, tão peculiar à sua índole.

   – Meus queridos, posso começar?, perguntou às crianças.

   Em uníssono, todas responderam: – Pode!

"Vinde a mim as criancinhas"
   Por instantes, veio à cabeça a imagem dos pequeninos caminhando em direção ao Mestre amado. De certo, o meu amigo lembrou-se da santa atitude que tanta vezes exaltou: – Jesus cuidou dos mais frágeis! Dizia isso com intensidade, claramente, emocionado, alterando o estado de consciência pela elevação dos pensamentos.

  Um menino resolveu perguntar o nome do meu amigo. Sem esconder, ele respondeu: – João. Assim, todos se apresentaram. E na voz do contador de estórias, Pedro virou Pedrinho; Maria, Mariazinha; Luiz, Luizinho... Sempre no diminutivo para marcar o tom de carinho e proximidade.

As palavras começaram a surgir:
   – De todas as belezas que existem no mundo, a maior é a Humanidade; nenhuma criatura de Deus pode fazer tanto quanto os homens.

  Eu interrompi: – Por que você diz isso, se há tanta miséria e fome? Veja essas crianças, ninguém olha por elas! O homem é egoísta.

  – Não tiro a sua razão de me questionar. Os adultos perdem a esperança porque acreditam pouco no próximo; experimentam, cheios de orgulho, a utopia da independência, a vontade de estar acima de todos e viver distribuindo ordens. Isso é impossível. Não importa se o comportamento autoritarista vem do presidente da república ou do chefe de família. Em cada caso, todas as vezes que o homem age desta forma, há sofrimento e dor. Os maiores exemplos de felicidade nascem quando as pessoas entendem que precisam uma das outras.

   Negrinho como o manto da noite, Rafinha prestava atenção. Tinha os olhos fixos no prosador e um frio que o fazia se encolher. A falta de agasalho, porém, não o impediu de levantar a voz: – Meu pai é igual às pessoas que o senhor está falando. Depois que batia nos meus irmãos e na minha mãe, ele sempre dizia: “quem manda nessa casa sou eu. Vocês bebem, comem e dormem, graças ao meu dinheiro”. Contando, o menino chorou.

   Vendo-me abraçá-lo durante o choro sincero, João trouxe a palavra consoladora: – Rafinha, fique à vontade. Você é nosso amigo. Saiba que o seu choro é a expressão mais bonita dos meus últimos tempos. Tenho visto miséria acompanhada de violência: pessoas que sofrem revoltadas com a vida. Mas, você chora as lágrimas de uma alma pacífica. Vejo, que apesar de tudo, ainda ama o seu pai.

   Rafinha abraçou o amigo ao lado e chorou um pouco mais. João percebeu o momento propício para falar de humanidade. Tinha, à frente, crianças abandonadas, fruto de uma sociedade em desequilíbrio, que dá valor as coisas e desprestigia a dádiva da vida. Se existisse amor real, entre os homens que governam e são governados, aquelas frágeis criaturas não estariam ali, jogadas numa sarjeta, sem ter o que comer.

   Como se pudesse ler os pensamentos de João, eu, quase, voltei a interpelá-lo para me desfazer da humanidade, da qual a minha vida faz parte. Não consegui, pois ele voltou a falar, fraternamente, com um sentimento capaz de desfazer a minha carranca. Chegara a vez de meu espírito chorar; intimamente, enterneci-me.

  – Fico alegre por vê-los, meus queridos, tão amigos. Cheguei aqui e, em momento algum, vi brigas, ofensas e orgulho; pelo contrário, vejo amizade, amor e compreensão. Quando o Rafinha chorou, foi, prontamente, consolado. Isso é humanidade: a reunião de grandes virtudes, que os brandos e pacíficos sabem externar. Por vivenciar isto, eu digo: acredito nos homens, porque sei que eles nascem crianças e, um dia, voltarão a ser crianças, por descobri-las escondidas dentro de seus corações.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O que eu vi era um sonho

     Quando escrevo, sinto o frescor da brisa que passa murmurando melodias silenciosas no meu espírito. São as notas musicais, cujos impulsos vindos do céu espalham esperança por toda terra. Perdoa-me, Senhor, pelos dias em que não ouvi a Tua voz. Agora, sublimado pela inspiração que desce e me arrebata, declaro essas singelas letras, para exaltar-Te de onde estou. Mesmo sozinho, sinto como se não mais estivesse, pois a tímida canção ganha corpo e, já em êxtase, consigo ouvir a orquestra que me cerca. Obrigado, Majestade de todos os reinos! As Tuas criaturas cantam! E o clarim dos anjos anuncia que a vida triunfa; então, esqueço-me, completamente, da ilusória valsa da morte e percebo que Tu compuseste a marcha imortal.

Fecho os olhos; a canção me guia; converso com o Maestro da eternidade. Nestes instantes, além do tempo, viajo nas nuvens de sonhos e assisto a multidão que habita o planeta. Reconheço, em cada um dos seres, notas da Sinfonia Universal. É impressionante: há espaço para todos. De passagem, aplaudo o batuque das nações africanas; a harmonia dos mantras hindus; os cânticos das igrejas, os louvores das mesquitas e sinagogas... Quantas belezas! E percebo que na perda de uma só delas o Todo desafinaria. No despertar da viagem onírica, ouço minha alma suspirar de felicidade: “Meus... irmãos!”.

Nota
Numa perspectiva universalista e fraterna, respeito todas as formas de culto e manifestações religiosas, vindas de qualquer parte do globo. A humanidade é uma só, e cada homem procura a forma que melhor se adapta ao seu estado de consciência. As águas percorrem caminhos diferentes, mas se reencontram no mesmo oceano. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dica de leitura


                                                             Queridos leitores,
                                Foto feita pelo celular
O Anjo Sideral
                           A partir de hoje, reservarei um espaço, neste blog, para dar dicas de leitura. Na estréia, o título escolhido é O Sublime Peregrino, antologia ditada pelo espírito Ramatís e psicografada por Hercílio Maes, o maior sensitivo a canalizar as mensagens do antigo filósofo de Alexandria. O livro, em questão, trata-se de uma verdadeira obra-prima sobre a passagem de Jesus Cristo no planeta Terra. Aos anseios dos estudiosos, a literatura traz vasto campo de novas informações; quanto aos místicos, o texto brinda-os com enorme sensibilidade, amor e transcendência.


De coração, espero que gostem. O estudo enobrece.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Estudar, aprender e divulgar

      “Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos que se encontram na casa” [1].

    O que pretendeu Jesus com tais palavras? Em sua admirável bondade, o Mestre pediu que o conhecimento tivesse o seu foco ardente exibido para retirar da escuridão os que vivem na ignorância. Toda sabedoria provém de Deus. Se dEle recebemos a graça do saber, devemos divulgá-la para benefício da maioria. Um bem precioso não pode ser de usufruto particular. O Cristo é a fonte de “água viva”. Quem tiver sede “que venha a mim e beba” [2], assim O mesmo nos rogou. Então, eis a pergunta inadiável: o que temos feito com a luz e a água que jorram das cumeadas divinas? Guardamo-las em secreto ou saciamos os anseios das pessoas?

   O blog é um meio que esse escriba tem de extravasar a energia que lhe ronda o espírito e agita a mente. Os textos, aqui expostos, recebem o colorido de uma jovem verve literária alimentada por ensinamentos e meditações de foro espiritual.  Joanna de Ângelis, Emmanuel, André Luiz e Ramatís são conhecidos de longa data. Não são privilégios, deste blogueiro, as citações dos proeminentes autores. Todos aqueles que amam a doutrina celestial pode divulgá-los, e assim, estará, de fato, prestando um favor excepcional à Humanidade. Em tempos, cujas intimidades pessoais têm sofrido grande devassa, sinto falta da divulgação das coisas boas do mundo. Se ainda convivemos enlaçados ao sofrimento, devemos amainá-lo. Há muitos para atear fogo em palha seca e sal nas feridas, porém são poucos os que se dispõe a conter as chamas e a cuidar das chagas abertas.

   Onde houver um grito de socorro ou um apelo de dor, que esses simples textos possam estar presentes.

Ricardo Walter,
                       No jardim de infância, aprendendo as primeiras letras do Evangelho de Jesus.
                         




[1] Mateus, V: 15.
[2] João, VII: 37.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Um reflexo de Exu

“Não julgo, nem ameaço. Jamais me ponho acima da lei, porque dela não sou juiz, apenas, um executor. Se obténs favores a base de trocas, saibas bem que não sou eu quem os faço. Pensas que pode falar comigo em tom de cobrança, ledo engano, meus compadres e comadres. Não aceito ordens de qualquer um e muito menos bato cabeça onde não há firmeza de propósitos. Conheço às sombras, é verdade, porém não sou de lá. Faço viagens. Sou um pescador de almas arrependidas. No fundo, um socorrista do astral. Desço ao lodo, sem me sujar. Engano os soberbos nas encruzilhadas, dou voltas ao mundo, pois o movimento não pode parar. Dizem por ai que não tenho luz: que vontade de gargalhar! Nas estradas, sou amigo de Ogum; na calunga, companheiro de Omulu. Venço demandas e realizo curas. Como já disse, não me curvo às exigências dos encarnados. Conheço a reta justiça e seria tolice se eu quisesse distorcê-la. Sei bem as conseqüências que isso implica. Às vezes, o castigo vem a cavalo, noutras demora, quase, uma vida, mas é sempre chegada a hora. Deus não pune, porque nEle só há amor, no entanto, tu és filho das tuas próprias obras. Penses bem. Reflitas antes de pedir ou fazer e não digas jamais que “ tem Exu”: eu não sou propriedade de ninguém. Num piscar de olhos desapareço,  digo que vou e fico, confirmo que fiz..., e nada feito. Firma a tua cabeça e risca o meu ponto. Quero ver se podes adivinhar. Duvido, meu filho, que vás acertar. As coisas não funcionam assim. O meu garfo só manipula quem tem méritos aos olhos de Oxalá. Desde a África, Exu é Orixá. O sopro da vida. E na sua nação: Exu é mojubá".



sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Oxum, a flor das águas doces


  Eu vi a beleza da gira quando se cantou para Oxum.

Aieiê ô, minha mãe. Os teus filhos te saúdam. Vem da linha das águas, trazer o teu axé encantador. Eu te reconheço na magia dos cantos e pela vibração de amor.

A sabedoria do caboclo
  Antes da despedida, um amoroso caboclo pediu aos médiuns que a falange de Oxum fosse saudada para comandar os trabalhos seguintes. Nas breves palavras, ele assim disse: - uma casa de Umbanda pode ser avaliada pela manifestação dos espíritos que trazem energias sutis e harmoniosas dos planos superiores. Tenham a certeza de que o amor é o sentimento supremo, e nessa freqüência Oxum vem saravá. Vejamos, então, meus queridos filhos, o que vocês têm trazido no coração e se são merecedores de tão formosa irradiação”.

  Em questão de segundos, o caboclo “girou”, e uma linda sabiá entrou no terreiro e pousou no Gongá. Nenhum médium atreveu-se a incomodá-la. Era a singela ave mais uma integrante da Banda. O canto divino, que vinha das matas anunciava a felicidade de Oxossi e a alegria do seu reino. A mensagem, porém, não estava completa. Faltava uma rosa, e ela veio – presa ao bico de um beija-flor. Era o prelúdio do caboclo. Quem viria? Não restavam mais dúvidas. O povo de santo já cantava para Oxum.

“Atrás daquela serra, tem uma gruta do lado de lá,
Tem um barquinho de ouro, Mamãe,
Aonde Oxum foi se assentar ”.

    Quando o Ogã firmou ponto, uma energia materna e doce envolveu os médiuns da corrente, como se jogasse a todos num sono de paz. Ninguém ficou em transe. Oxum, naquele instante, não viera para tomar a consciência de seus aparelhos. Parecia que a mãe de cada um estava ali, ninando-os no colo. Na assistência, uma criança chorou, outras pessoas fizeram o mesmo, imitando, em cena comovente e sincera, a pequena criatura. De dentro, alguém sinalizou com as mãos para que as pessoas pisassem no terreiro. Prontamente, foi atendido. Gentil e educado, o velho cambono organizava os consulentes para o passe, pois são eles a razão de uma casa aberta. As curas só acontecem se acolhermos os doentes que sofrem pelo mundo.

“Eu vi mamãe Oxum na cachoeira,
Sentada na beira do rio,
Colhendo lírio, liro ê,
Colhendo lírio, liro á,
Colhendo lírios pra enfeitar nosso Gongá”.

   O ponto mudou. E com sua melodia veio o chamado para a descida de Oxum. No balanço ritmado dos braços, o axé de amor era movimentado em benefício da saúde. Idosos, adultos e jovens viram-se envoltos pelo encanto do Orixá das águas doces. Da mesma forma que Maria embalou o Menino-Luz, Oxum fazia com as criaturas de Oxalá que inebriadas esqueciam os espinhos das agruras e semeavam a flor que nasceu nas margens d’água para ver no espelho cristalino o reflexo da sua imagem, feito uma fotografia natural.

  Fechada a gira, o caboclo de outrora retornou: “Feliz estou por todos vocês. É dura a luta que travamos contra os perigos da vaidade. Mas, graças ao bom Pai, vejo nesta casa uma evolução. Os meus filhos aprenderam a darem as mãos. Umbanda é plural. Nada se faz sozinho. Todos devem estar, sempre, preparados para doar com bom ânimo e receber humildemente. Não existe “ o meu preto-velho, o meu exu, o meu caboclo...”. O espírito não tem dono, e a mediunidade pertence a Deus e aos Orixás. Se hoje Oxum pôde penetrar o coração de todos, é porque as suas auras reconhecem melhor a Claridade. Sem brigas, ofensas e fofocas, há espaço para reencontros, consolações e verdade. Fiquem, filhos queridos, com o meu saravá. E não se esqueçam: a energia do bem é inconfundível”.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Não existe Justiça Divina sem amor e misericórdia. Kaô kabecilê!

  A tradição africana dos nagôs plantou, de forma definitiva, na alma do brasileiro o culto aos Orixás. Os ensinamentos milenares, trazidos pelos negros, suportaram os embates ideológicos e através da fé criaram uma força viva, cuja verdade fez o nosso povo conhecer os arquétipos divinos, que vibram nos reinos da Natureza. 

  Em virtude do excepcional sincretismo religioso no Brasil e do legado ancestral, as esferas celestiais enviaram às paisagens tupiniquins o Caboclo das Sete Encruzilhadas para que fosse inaugurado o movimento de Umbanda – no qual, caboclos e preto-velhos uniriam no místico solo dos terreiros a magia afro-brasileira e o Evangelho de Jesus. Desciam, então, nos idos do século XX, das paragens de Aruanda, trabalhadores do amplo universo da caridade.

   Exímios magos do astral, as entidades missionárias passaram a curar os homens, utilizando-se do magnetismo de seus pontos riscados, das mirongas, das ervas, do passe e, principalmente, da justiça, pois tudo que extrapola a lei fere a Providência e, assim, ocorre nas demandas espirituais praticadas através do encantamento de elementos ritualísticos e do desejo sombrio de distorcer o merecimento e o livre-arbítrio do irmão de caminhada.  Tais atitudes censuráveis fortalecem as personalidades do umbral e obrigam o choque de energias para correção das mazelas que causam doenças físicas e chagam o perispírito.

   Infelizmente, os feiticeiros se esquecem que Jesus encarnou na Terra e a verdade do Cosmo é o triunfo do Seu Evangelho. A magia sideral, tão bem assimilada pelas falanges dos Orixás, tem por intuito maior a cura das almas enfermas. E como bem disse o Médium angelical: “Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos[1]. Da mesma forma que Ele foi comparado a entidades infernais em virtude dos feitos extraordinários que propiciava, preto-velhos, caboclos e exus, também, sofrem discriminação pela ignorância dos sectários e pela vilania dos homens que trajam branco, mas têm o coração contaminado pela ira.

  Frente a dor humana e aos hospícios que se transformaram certas “casas de caridade”, fico pensando em Xangô, o Orixá que brilha logo abaixo de Oxalá na Umbanda, devido a sua fundamental vibração de justiça, que rege a Lei do Carma. Não à toa, os atributos de Xangô foram percebidos em São João Batista, o notável profeta, e São Pedro. Sem dúvidas, apesar do sincretismo religioso se ater a alguns nomes, os outros apóstolos de Jesus que permaneceram fiéis, após o martírio da cruz, podem, igualmente, serem associados a Xangô, porque, naquele momento histórico para a Humanidade, todos eles tiverem a sabedoria e o senso de justiça necessários à causa magnânima.

   O progresso espiritual do médium, dentro da Umbanda, depende da internalização das qualidades de Xangô. Ninguém, nem mesmo aqueles que o têm como chefe de cabeça, podem dizer que carregam, verdadeiramente, Xangô em suas coroas, se agem sem misericórdia e amor. O homem que ignora a piedade não é justo, e sim, um tirano. Igualmente, ocorre com aquele que não cultua a compaixão. Fora do amor não pode haver justiça, porque Deus, antes de tudo, “é luz e não há Nele treva nenhuma” [2].

  No mais, eis a certeza inalterável: “toda árvore que não dá bons frutos será cortada e lançada no fogo" [3]. Conforme se pode ver, não há como negar a ação e o poder preciso do Machado de Xangô. 



[1] Mateus, VII: 15-20.
[2] Primeira Epístola de João.
[3] Mateus, VII: 15-20.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Transcendência

A ilusão cansa e perturba. 
Mostra-nos o fantasioso e não revela a magia:
Aquilo que é profundo, místico;
enfim, os segredos da vida...
Os astros se movimentam no espaço,
o sol esparge luz pela atmosfera,
as estrelas brilham na abóboda celeste,
o sabiá voa entre as flores,
e os olhos? Nada vêem...
Enxergam o que não existe.
São os descaminhos,
as ciladas,
os labirintos,
as encruzilhadas,
que nos fazem dar voltas,
ir e vir,
titubear, até aprender.
Como aflige a “realidade”!
Não é de hoje, que nos falta transcendência.
O choro incontido,
a emoção pura,
o êxtase espiritual...
Vivemos catarses coletivas,
euforias transitórias,
mas nada que, realmente, deixe cicatrizes na alma.
O ano vira,
todos anseiam por sua nova face.
E nós o que fazemos?
Esperamos milagres,
mudanças repentinas,
fora das leis naturais.
Vemos a aurora inaugurar o dia,
e ignoramos a metáfora:
Somos luzes, e não, sombras!

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

No banquinho, havia um preto-velho

    De tanto procurar, a desesperada mulher já havia se decidido: “É a última vez que colocarei os meus pés num terreiro de Umbanda. Dependendo do que eu ouvir, não voltarei mais”.

    Madalena estava cansada e doente. A melancolia lhe tomava os traços do rosto. E só mesmo o rastilho de fé no Mestre amado ainda a impulsionava numa procura, quase às cegas, em busca de amparo espiritual. Foram muitas as suas decepções. Madalena não desejava empregos de mão-beijada, namoros arranjados, revides e supremacia social. A viúva, mãe de dois filhos, que acabara de se descobrir cardiopata, queria, apenas, uma terapia capaz de lhe auxiliar no tratamento da medicina terrena.

  Infelizmente, pelo não conhecimento das premissas que regem o fenômeno mediúnico, Madalena caiu em verdadeiros embustes. Nos centros procurados, quiseram, primeiramente, investigar-lhe o bolso, e não, o espírito - como fazem os prudentes médicos homeopatas, que sabedores da Lei de Causa e Efeito, procuram no íntimo das pessoas a razão para os desequilíbrios físicos. Gravemente afetada, aparentando, sempre, visível cansaço, Madalena se deixou enganar pelas facilidades dos “trabalhos feitos”, a base de sangue, sem nenhuma observância a imutabilidade dos desígnios de Deus trazidos por Oxalá: “se vós soubésseis o que significa - misericórdia quero, e não, holocaustos, não teríeis condenado a inocentes”.
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   Hoje, conhecendo a história de Madalena, reflito sobre os ensinamentos do espírito Ramatís. O sangue derramado nos terreiros alimenta vampiros que modificam as suas formas perispirituais para engabelar consulentes aflitos através de médiuns despreparados ou decaídos. O sacrifício de irmãos menores e indefesos faz com que as vibrações psíquicas da crosta encontrem amparo nas mentes fascistas dos encarnados. Os medianeiros, ao passo que impregnam o seu duplo-etéreo de fluídos perniciosos catalisadores da baixa magia, tornam suas auras um campo de energias nauseantes para os espíritos benfeitores.
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   Graças a Deus, a querida irmã, apesar dos enganos, não desistiu...

  Chegando a um simples terreiro, sentiu-se acolhida já na entrada. Por intermédio da clarividência, Madalena, em vez do sofrimento das outras casas, viu no plano astral uma fraternidade de espíritos que trabalhavam em salutar harmonia. Quando chegou a sua vez de ser atendida, ela sentou-se num banquinho e olhou, com admirável confiança, os olhos materiais trasbordantes de ternura, cujo um amável preto-velho fazia de lamparina para cativar as almas envoltas em sombras.

   - Me ajuda vovô, tenho medo de morrer.

  - Filha, a falange médica desta casa já está tomando conta de você. Não tema!

   - Vovô, eu andei muito até chegar aqui. Gastei dinheiro, depositei esperança, fui aonde jamais pensei que poderia ir... Mesmo assim, continuo doente.

     - Agradeça, filha!
     - Como assim, vovô? Eu disse que “continuo doente”.

    - Se você estivesse curada, não se engane: seria, apenas, pelo corpo físico. E tudo que vem fácil volta fácil. Talvez, você estivesse trocando uma doença por outra: substitui-se o sofrimento, mas não, o carma. Cura espiritual não é coisa que se compre. Os espíritos evangelizados, que trabalham nos caminhos do Cristo, não põem preço naquilo que fazem. Operam em nome de Deus. Se este velho aqui lhe ajudar, será com apoio de almas que emanam amor. Jesus disse aos seus apóstolos que se desfizessem dos bens materiais para adquirir a “pérola” que os conduziriam ao reino dos céus. Estando nós, espíritos, do lado de cá da vida, não podemos nos assemelhar aos mercadores do sagrado. No fundo, já adquirimos a nosso ‘jóia’, e ela atende pelo nome de caridade.

    Madalena tomou um pouquinho de água de coco. Respirou fundo. E se acalmou. De imediato, o velho, percebendo a brisa fresca que acalmava as idéias da moça, após o esclarecimento, falou: - É da sua vontade, filha, fazer uma cirurgia espiritual em nossa casa?

     - Sim, vovô.

    - Então, você fará. Nada aqui é feito contra a livre-escolha de quem quer que seja. Peço, filha, que antes da cirurgia, você rogue a Oxalá e suplique forças para deitar na maca de operação sem nenhuma mágoa contra qualquer irmão. Mais uma vez, lembro do Evangelho: “se amardes, apenas, o que vos amam, que recompensa tendes?”.

     Com essas palavras, o velho desejava lhe tocar a consciência, pois sabia que ela guardava rancores dos parentes que a haviam abandonado nos momentos de dor, em virtude da sua fé na espiritualidade.

    Madalena abraçou o vovô, despediu-se emocionada e foi conduzida por médiuns, extremamente zelosos, que a explicaram, com minúcias de detalhes, todos os preceitos a serem feitos para a realização da cirurgia. Enquanto, era orientada, sentiu uma leve sonolência, como se lhe arrefecesse o estado de vigília; e de olhos fechados presenciou belíssima cena: por instantes, viu-se nas águas claras de um rio sendo banhada, exatamente no coração, por Oxum. As pessoas, em volta, estranharam, mas um médium, em particular, advertiu:

    - Não a incomodem. Esse é o início da bênção que nossa irmã veio buscar.


   Nas margens do rio, Pai Benedito – o preto-velho da consulta, dizia: - Filha, não há comparações. Eis a diferença da alta magia para os feitiços, que, cedo ou tarde, retornam em forma de demandas sobre a sua nascente. Os orixás são reflexos divinos do Grande Criador.