quarta-feira, 5 de março de 2014

A cultura do sentimento

  As mudanças que o pobre pretende ver no Brasil não virão da atual classe política. Embora sejam assistidas pelos melhores médicos, nossas autoridades estão doentes. O ser humano não tem a destinação de provocar horror ao próximo. Qualquer um que se proponha a isso dá sinais de demência. As velhas oligarquias partidárias estão em colapso ético. O destino delas é sucumbir. Tais estruturas são animadas por células combalidas. As tradicionais lideranças já tiveram vez e voz neste País, contudo olharam fixamente para as estruturas, esqueceram o fator humano e ignoraram tudo aquilo que é gente. A verdadeira democracia jamais deixa de lado analfabetos, deficientes físicos, crianças e idosos como sempre fizeram os políticos que nos governam. Mais do que nunca, é preciso repetir: não são eles que apresentarão soluções para as nossas vidas, e sim, nós é que seremos os autores principais das transformações humanas. O povo cura o povo.

  O discurso científico dos tecnocratas e a falácia dos corruptos desconhecem a força popular. Até hoje, o que se viu foram manifestações invadirem as ruas contaminadas por interesses vis e posturas violentas. Noutro texto, disse eu que modifica-se o sistema, mas as pessoas permanecem as mesmas, então, nada mudará. O grande salto, para o progresso do Brasil, está na simplicidade das relações sociais. O político faz longos pronunciamentos, viagens diplomáticas, monta equipes especializadas para conter a inflação... Tudo muito elaborado, e ineficaz. A população continua morrendo por ausência de médicos e remédios. Falta aos brasileiros o entendimento da mais alta tecnologia: o comportamento que conduz ao bem comum e prega o cuidado reverente à vida.

   A dissensão entre pobres, as inimizades, as vinganças e a criminalidade que coopta soldados nas famílias carentes só interessam aos políticos e magnatas que bancam as campanhas eleitorais. O favelado como algoz do favelado é algo surreal. Perde-se a idéia do verdadeiro vilão. A bala perdida, o comércio fechado por ordem clandestina, o adiamento de aulas e o pânico atingem o vizinho ao lado. Presidente, prefeitos e governadores andam de helicóptero; quando em terra, têm a segurança especial de carros blindados e moram em mansões bem afastadas das áreas de conflito. Se a miséria nasce da corrupção, por que corromper-se e aumentá-la?

 O cidadão periférico, dentro da economia, deve almejar uma mesa farta, lazer e bons serviços públicos; no entanto, apenas isso não basta para vencer a crueldade das políticas de estado. O desejo é energia que oscila, ora fraca, às vezes, forte. E a ascensão na pirâmide social, puramente, através do dinheiro, seleciona os seus privilegiados. A maioria fica de fora, e quando experimenta um cenário de bonança, logo, despede-se dele, engolida pelo humor do mercado. O povo tem que ser bom para o povo, criar a cultura da solidariedade e cuidar do outro com o mesmo zelo que dedica a um filho.

  Se ficarmos esperando leis milagrosas que renovem o Brasil, ficaremos cansados, aliás, como já estamos. A História já ensinou ao homem a fazer revoluções com as armas do holocausto. É preciso, porém, escrever novos capítulos, sem dores. Se tudo funcionasse bem no País, o povo não teria de onde haurir forças para se indignar. As grandes transformações nascem das misérias, onde falta o pão deve haver luta; não aquela, viciada em combates sangrentos, mas a do imperativo fundamental: o amor.

  Muitos podem classificar como utópica a proposta, porque descrêem nas potencialidades humanas. O fracasso da civilização que tem 13 milhões de pessoas suportando a fome advém da perda do ideal maior. Os políticos pregam a política da razão; ou melhor, a do falso racionalismo, cheio de números ilusórios; o povo, em contrapartida, deve se agarrar a política do sentimento. Saber que as crianças vão morrer de inanição no nordeste, em virtude da falta de comida e água, toda autoridade sabe, o problema é: quem sente na própria pele a dor do outro?

  Seria esplendoroso se o homem investigasse a sua natureza emocional, há um déficit considerável nessa área nervosa. Nenhuma máquina por maior que seja a tecnologia empregada nela, pode ser mais moderna do que o sonho de se harmonizar o convívio das criaturas. Dirão alguns que defendo um mundo romântico, porém replico: não! Em verdade, almejo o reencontro das múltiplas humanidades que habitam o Brasil, cada qual auxiliando a outra com aquilo que tem de melhor. No mais, entre o romantismo e a destruição a escolha dever ser óbvia. Os políticos brasileiros não dão importância às chagas sociais, pois instintivamente confiam na renovação natural que equilibra as taxas de natalidade e mortalidade. Se a capacidade de procriação hominal parece infinita, o mesmo não se pode dizer dos ecossistemas. O ser inconsciente destrói a si e também o seu habitat.

  O pensamento dominante – que prioriza a figura do eu - tem condições de melhorar a vida social num contexto amplo? Por favor, respondam. Creio ser a democracia o melhor dos caminhos; entretanto, somente uma filosofia criativa e de mútua cooperação será capaz de fazer triunfar os direitos legítimos de quem sobrevive. O cidadão não deve enxergar o universo inteiro para adquirir esse capital inestimável. Basta ao reformador a sua própria vida, e dela que emerge o entusiasmo contagiante, digno de se curvar e servir ao semelhante nos ínfimos detalhes existenciais. Não são das epopéias que nascem os humanistas; eles insurgem da simplicidade.

  Escrevo a realidade que presencio enquanto jornalista, observador da sociedade e de seus nichos. O palácio do planalto e o parlamento fazem o povo sofrer. Os governadores, as assembléias estaduais, os prefeitos e as câmeras municipais não fogem à regra. O povo pode não formar nas suas entranhas um Nelson Mandela para eleger. O que vale é começar. Pensar algo que não se fala. O dialeto da imprensa, de muitos sociólogos e políticos parece avesso à vida. O brasileiro tem sede de uma água que ele nem sequer sabe que existe. Sente o vazio, vê as instituições e os serviços públicos desumanizados e produzem o vaticínio: “vergonha!” A identificação já foi feita e tragicamente se mantém atual. Como superá-la?, eis a questão. A consciência do amor é acessível aos leigos. Uma sociedade mais justa nascerá quando os depressivos receberem carinho; os famintos, comida; as crianças aprenderem a solidariedade e o pretenso marginal escutar: “nesta comunidade não. Você está sozinho”.

  Essa renovação dará às massas uma alma essencial, porque a massa age por automatismo, já a alma não, ela tem noção de ser e pertencer ao mundo. Tal insurreição terá conseqüências na cúpula do poder, e as urnas mostrarão novos resultados. O político, de sempre, irá se questionar: “que povo é esse, que não mais pensa, tão-somente, em si, e cuidadosamente zela pelo próximo?” Sejamos nós mesmos o exemplo maior. 

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