quarta-feira, 9 de julho de 2014

O ponto obscuro da idolatria

     O comportamento ensandecido do povo na presença de ídolos, fabricados pelo mercado publicitário, deveria causar perplexidade aos agentes sociais. As cenas repetidas de jovens desesperadas clamando por autógrafos e abraços dos jogadores da seleção estampam uma imagem triste das relações humanas. Desencontradas, as pessoas insistem em cultivar paixões artificiais e não percebem a obviedade: o craque tocado por rápidos momentos é um ser intangível. Não por ocupar o patamar de uma divindade. Longe disso; mas pela distância. O fã, aos prantos, jamais saberá quem o alvo da idolatria realmente é, pois os seus corpos não se encontrarão mais e, quiçá, o craque se esquecerá daquela criança que viu num dia qualquer. Algo absolutamente normal. Os “astros” são muito requisitados, e como diz a velha sentença – “a multidão não tem rosto”. Se os fãs cultuam determinadas personalidades; as mesmas, em contrapartida, homogeneízam a fiel claque e fazem dela uma massa de gritos, assobios e histeria, capaz de criar verdadeiros ególatras.

    Quem dera toda a paixão ofertada a uma casta de celebridades fosse, um pouco, desviada para cuidar do vizinho e do parente, que vivem ao lado. Em vez de adorarem pôsteres, como um hábito normal, os adolescentes poderiam se dedicar, com apreço, a cuidar das estruturas dotadas de vida onde bate um coração. Que visão é essa que enxerga aquele que mora além do Atlântico sem observar  pais e avós dentro de casa? Claro que não se pode generalizar, sob o risco do excesso; há jovens zelosos e cheios de amor para com os seus; contudo, a frieza de muitos é inegável e facilmente constatada pelas obras inumanas que a sociedade exibe. Ou, por acaso, alguém estará mentindo se disser que os idosos sofrem nas masmorras dos lares e que as mães perdem noites de sono à espera de seus filhos (ébrios noturnos) e, comumente, sofrem agressões verbais e físicas dos mesmos já narcotizados?

    Vive-se num mundo que adora fotografias. A maioria deseja exibir a fronte maquiada – a aparência superficial; e as fotos são pródigas nesta arte de escamotear. Como faz falta o olhar radiográfico, que percrusta a essência e permite localizar a doença para tratar o doente! O objetivo não é exibir de forma mesquinha os fantasmas e as contradições do homem; em verdade, a meta é fazê-lo penetrar a realidade de si mesmo. A projeção da consciência na vida alheia, como se o outro fosse sempre um bem-aventurado, enquanto aquele que observa põe-se em patamar inferior, lesa as virtudes imanentes da alma. Não raro, perambulamos cheios de curativos invisíveis; em vez, de andarmos em destino certo. Dá agonia ver que as referências da juventude utilizam discursos pasteurizados, poses forçadas e marcas, que fazem do público-alvo um amontoado de cifras.

   Se há uma providência urgente, é a de ocupar o tempo a serviço de quem está ao alcance da mão, que afaga, acaricia e remedeia. A época de ser enganado pelos slogans patrióticos já passou. Jogador nenhum joga, verdadeiramente, pelo povo, como dizem. No fundo, eles atuam por ambições, sonhos e desejos próprios. Os louros de campeão do mundo não enfeitam a cabeça da grande maioria; para ela, o título só traz a emoção de instantes fugidios. “Quem entra para história” são os sujeitos da fama, frutos de uma geração paparazzi.  

   Se tiver que correr, vá em direção a quem lhe ama, e não, atrás de um ônibus lotado de jogadores que não lhe conhecem; se tiver que lotar um local de trabalho, preencha as salas de aula, os professores têm para oferecer lições muito mais importantes do que as de um treino de bola; se tiver que chorar, chore pela dor de alguém que sofre ao lado; se tiver que ser brasileiro, seja cuidando de tudo aquilo que vive ao alcance das suas mãos; enfim... Grite e consagre quem está contigo. Observe os heróis anônimos.





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