terça-feira, 1 de setembro de 2015

As três revelações divinas


O homem comete muitos erros por julgar temas amplos, valendo-se, tão-somente, do superficial. O adepto, verdadeiramente, convertido ao Cristianismo, não pode ignorar o trabalho hercúleo de Moisés no seio do judaísmo. Citar a Lei de Talião[1], como se ela resumisse o espírito do trabalho mosaico, é um grande equívoco histórico e, sobretudo, espiritual. A revelação, obtida nas rochas do Sinai, foi inaugurada pelos artigos pétreos do amor. Se a população hebraica ignorou o chamado divino e preferiu se vestir de parafernálias teológicas, o enviado de Capela[2] não deve ser responsabilizado, porque os dois primeiros mandamentos celestes já estavam à disposição dos corações humanos. Prova marcante dessa essência encontrasse, até hoje, nas odes inspiradas dos profetas do Velho Testamento. "Um pequenino se acha nascido para nós, e um filho foi dado a nós, e o nome que se apelidará será Deus Forte, Pai do futuro século, Príncipe da Paz. O seu império se estenderá cada vez mais e não terá fim" (Isaías, 9:5,6).  Apesar da resistência tribal e guerrilheira que mantinha a idéia insana de um Deus vingativo e exclusivista, o esforço das hostes sublimares foi recompensado; uma vez que nascia na paisagem, deste orbe, o sentimento monoteísta.
A base da religião estava sedimentada no decálogo[3]. Faltava, pois, um Farol Singular, que pudesse iluminar a antiga tábua da lei e exortar o povo a compreensão dos escritos em sua pureza genuína. Séculos depois de Moisés, a chegada de um Rei (jamais visto) modificava a atmosfera da Terra. No livro Boa-Nova, o amigo espiritual, Humberto de Campos, conta-nos que, à época, “o grande império do mundo, como que influenciado por um conjunto de forças estranhas, descansava numa onda de harmonias e júbilos, depois de guerras seculares”. Antes mesmo de nascer, o Menino-Luz, anunciado nas profecias, higienizava a aura do planeta com a Sua notável aproximação.
Trinta anos se passaram desde que o brilho da estrela-guia norteou a caminhada dos Reis Magos ao encontro do Messias, segundo a tradição bíblica. Era chegado o momento. Jesus começava a divulgação da mensagem eivada de beleza espiritual.  Antes daquela hora suprema para o futuro da Humanidade, muitos filósofos, em civilizações milenares, escreveram, falaram e praticaram o amor, mas somente o Doce Rabi da Galileia viveu tudo o que diz respeito a essa emoção divinal. Através dEle, os aflitos ouviram o Sermão da Montanha, viram gestos de profunda compaixão e presenciaram a prova da renúncia máxima no holocausto da cruz. Quem fizera tanto por uma gente pobre e simples em tão pouco tempo? Absolutamente ninguém. O Evangelho[4] já estava entre nós...
[5]O Cristo ensinou a todos nós o valor de se combater o pecado, mas amar, sem limites, o pecador; deixou claro que não há sentido em mergulhar no amor de Deus, se as criaturas não canalizá-lo para o seu semelhante; retirou das mãos homicidas a faca dos sacrifícios, pois a partir do instante em que o sangue do Cordeiro Divino foi espargido no calvário, não eram mais precisos os rituais bárbaros para se chegar ao Sagrado; provou que o verdadeiro pastor tem cheiro de ovelha e recusa-se a ficar, isolado, em cima de um púlpito, assoviando lições não vividas e mostrou que quem não ama só enxerga defeitos, porque se limita ao presente; enquanto, a alma que ama vê qualidades e enxerga potenciais, haja vista que acredita na capacidade imanente do ser humano de evoluir. Dentre infindáveis lições, o Mestre também mudou a relação do religioso com as liturgias templárias, ao dizer: “entra no teu aposento e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto” (Mateus, 6:6).
Jesus deu prova viva do não-fundamentalismo. Embora, enorme conhecedor das leis judaicas, Ele não aceitou o argumento dos sacerdotes. Utilizou-se, no fundo, das codificações clericais para escapar das perguntas capciosas que almejavam derrubá-Lo. Ao passo que o totalitarismo tentava abraçar, como se fosse possível, as coisas de Deus, o Cristo visitava lugares, onde o poder instituído não queria estar: ao lado de paralíticos, cegos, surdos, mendigos, prostitutas, adúlteras... O que Lhe motivou a consolar os supostos amaldiçoados, segundo o olhar daqueles que amam o privilégio? Narcisismo, ego, aplausos. Não, nada disso. Numa síntese: caridade, o amor em ação. 
O Mestre, que conhecia a intimidade do plasma das estrelas, comprimiu – em gesto humilde – a Sua Luz esplendorosa a fim de não nos ofuscar e se utilizou dos recursos possíveis da cultura e da natureza, ambas peculiares a Galiléia, para se fazer entender naquelas simples parábolas. Mas, não nos enganemos: “as palavras dEle eram sopro espiritual ao encontro de narinas de barro”(Haroldo Dutra Dias). Por isso, muitos ainda não o compreendem, e a Besta do apocalipse retarda a aurora de um novo domingo pascal no cenário do Terceiro Milênio.
 Sob a anuência imperialista de Roma, a Igreja Católica se intitulou como interprete única dos textos bíblicos ao se valer da Segunda epístola de Simão Pedro. O pescador de Cafarnaum anotou “que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação, porque nunca, jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (Pedro, 1:20,21). À luz da fé raciocinada, essa imposição autoritarista se desconstrói. O grande mártir do Cristianismo convocou o trabalho coletivo quando escreveu “que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação”.
Em 1870, o Concílio Vaticano 1º decretou a infalibilidade do Papa. Reza a carta dogmática que o líder do Clero não erra em “decisões definitivas no campo da fé e da ética”, além de ser o sucessor de Pedro e o líder entre todos os apóstolos de Jesus. Os homens que se opusessem a determinação, dentro da igreja, seriam excomungados. Se lesse, mais atentamente, a primeira epístola de João, talvez, o Sumo Pontífice recuasse em sua intenção, tal a clareza do argumento: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (João, 1:8); mais à frente, o discípulo, bem-amado, dá outra lição exemplar: “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado” (João, 4:12). Por que, pois, tanta encenação cerimonial e luxo se o convite à participação, no concerto divino, está condicionado ao amor?
A respeito da miopia que, apenas, enxerga os tesouros de César, o apóstolo Tiago comenta: “porque o sol se levanta com seu ardente calor, e a erva seca e a sua flor caem e desaparece a formosura do seu aspecto; assim também se murchará o rico em seus caminhos”[6] (Tiago, 1:11). Na mesma carta, ainda pode-se ler: “A religião pura e sem mácula, para com Deus e Pai, é esta – visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago, 1:27). Nessas expressões de elevado cunho moral, os cristãos ouvem um apelo em direção à caridade, à vida simples e à reforma íntima, como práticas superiores aos atos externos.
Os catedráticos rechaçaram uma experiência puramente espiritual. Amantes das insígnias sacerdotais, eles arrumaram formas de conciliar a água santa do Evangelho com as impurezas do mundo, cujo Mestre afirmou ter vencido. No entanto, o regato cristalino, se colocado em contato com o lodo, irá ser contaminado; e ao observar as correntezas, ninguém se lembrará de que a sua nascente é pura. Transcorridos 2015 anos, ainda permanecemos presos aos grilhões teológicos com a mesma dúvida da mulher samaritana – Onde adorar a Deus? E com a maior boa vontade, Jesus permanece repetindo: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João, 4:24).
Foram longos os períodos em que o artificial triunfou sobre a essência, contudo os desígnios do Criador não podem ser encastelados em calabouços monásticos. Graças a Providência, o Consolador Prometido veio a estas plagas terrenas para pedir: “escutai-me. O Espiritismo, como antigamente minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande que faz germinar a planta e elevar as ondas. Revelei a Doutrina divina e, como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: Vinde a mim, todos vós que sofreis!”(O Evangelho Segundo o Espiritismo)
 Enfim, o Espírito de Verdade que o mundo não podia receber estava entre nós. Em 1857, Allan Kardec divulga a primeira edição de O Livro dos Espíritos e submete ao crivo inteligente das massas à mensagem dos Imortais. Nesse período, o genial codificador orientava-se pela voz do espírito São Luiz, que o acompanhou, de perto, na jornada de elaboração do pentateuco espírita. O nobre mentor confirmou “que os espíritos não vinham, pois destruir a religião, como alguns a pretendem, mas, ao contrário, (...) vieram sancioná-la por provas irrecusáveis”, através de expressões “sem alegoria para dar às coisas um sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a nenhuma interpretação falsa”. (Questão 1010 de O Livro dos Espíritos)
O Espiritismo transformou o paradigma de religião. Muitos cientistas e intelectuais têm urticária quando ouvem falar sobre esse termo. O atavismo histórico do espírito reencarnante o remete a eras medievais; e, num século como o atual, de conhecimentos atômicos e cosmonáuticos, as idéias arcaicas causam enorme repulsa. O ser pensante vê, nelas, uma ameaça a sua sabedoria tão arduamente conquistada. Com a Doutrina dos Espíritos, tudo muda. A visão se expande, rompe as fronteiras obscurantistas do dogmatismo e percebe, maravilhada, um Deus das galáxias.
A iluminada doutrina esclarece ainda o fenômeno das vidas sucessivas. No livro A Gênese, Kardec afirma que “com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletariado, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher”. Posta a candeia sobre o velador, a idéia de superioridade de povos e raças desaba perante a Justiça Soberana.
 Obviamente, a Terceira Revelação torna o caminho dos homens mais difícil ao classificar o bem como uma prática diária e de difícil execução, conforme já nos alertara Jesus ao falar que “estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para vida, e são poucos os que acertam com ela”. Daí, não causa espanto que a França, o berço de Kardec, e o restante da Europa, o velho continente, tenham ignorado o som da trombeta e o coro dos anjos. Crêem eles, até hoje, que Jesus veio curar os males do corpo, e não, os paralíticos da alma, que desembarcam no plano espiritual inertes devido à densidade de seus perispíritos (Nosso Lar, André Luiz). Mas, a vaidade humana não é capaz de abafar os Espíritos do Senhor. João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, Sócrates, Platão, Fénelon, Paulo de Tarso e inúmeros outros não vieram, de tão longe, à toa. Se os europeus dormem, a exemplo dos apóstolos no Jardim das Oliveiras, o Espiritismo deveria migrar para o solo em que encontraria condições de proliferação. Impossível, aqui, ignorar o médium Francisco Cândido Xavier e os benfeitores que o auxiliaram. As obras básicas deram corpo espiritual à doutrina e os mais de 400 livros psicografados, por Chico, ampliaram a aura dos ensinamentos, tornando maior o seu alcance.
Através do médium, o espírito Emmanuel convocou os corações, atentos, ao pacto de amor do Evangelho primevo e costurou, em inspirada literatura, as diferenças entre “atividade religiosa” e “serviço divino”. Na obra, Agenda Cristã, outro benfeitor, André Luiz, alertou as mãos, ávidas por benesses, sobre a necessidade de se afastarem dos holofotes da fé publicitária e vazia, ao dizer que “perdendo venceremos a batalha humana, cedendo obteremos os recursos de que precisamos, libertando conquistaremos os outros, suportando resistiremos na tempestade, sofrendo teremos mais luz (...)”.
Uma conquista formidável, que merece destaque:
 O Jesus que a Doutrina Espírita nos apresenta é um Jesus que está, a anos-luz de distância, do Jesus que a Humanidade conhece. (Haroldo Dutra Dias).
O mundo lê os evangelhos, e o que vê? Um galileu, vestido em túnica branca, filho de um carpinteiro com uma dona de casa. Então, vem o Espiritismo e repete a pergunta: “O que você vê?”. E o adepto estudioso responde: “vejo, simultaneamente, o Artesão Divino, o Artista Sideral, o Sublime Peregrino, o Psicoterapeuta de Todos os Tempos, em resumo, o Governador Espiritual do Planeta Terra”.




[1] “Olho por olho; dente por dente”.
[2] Constelação de onde vieram diversos espíritos, que reencarnaram na Terra primitiva a convite de Jesus. Naquele período, a maioria dos habitantes de Capela já vivia em clima de profunda fraternidade. As almas que vieram para o orbe terrestre perturbavam a harmonia do ambiente. Mesmo intelectualmente avançadas, elas apresentavam considerável retardo moral. Desse fato, resulta a Teoria dos Anjos Decaídos presente na Bíblia. Porém, graças a Misericórdia do Pai, muitos daqueles irmãos cumpriram a tarefa de auxiliar o progresso da Terra e, quites com a Lei de Causa e Efeito, ganharam a permissão de voltar para um mundo mais feliz.
[3]  A Primeira Revelação
[4] A Segunda Revelação.
[5] As idéias do parágrafo foram organizadas a partir de uma palestra de Haroldo Dutra Dias – expositor espírita, que, em recente trabalho, traduziu os Evangelhos do grego para a Língua Portuguesa.
[6]  Não há problema algum com a riqueza material, desde que ela tenha origem honesta e seja empregada como recurso divino.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Em busca do Sol...

“Assim, ele dizia: A que é semelhante o Reino de Deus, e a que o assemelharei? É semelhante a um grão de mostarda...”. (Lucas 13:18-19)

A semente traz, em si, o projeto magnânimo de uma árvore. Com o seu DNA divino – que no porvir lhe conduzirá à belas florações – o minúsculo grão encara o escuro e solitário seio da terra. A partir daí, dá-se a sua luta gloriosa para haurir nutrientes, muitas vezes escassos, a fim de enraizar, em definitivo, as bases da vida que almeja. Quando surgem os primeiros brotos, rompendo o solo bendito que lhe serviu de berço, a semente vislumbra o campo imenso a que se destina. É o início do seu êxtase. A metáfora da individualidade humana que vence as enormes intempéries da existência ao mergulhar no seu “eu profundo”, resgatando, nos recônditos do Espírito, a essência divina que, nela, foi depositada. A terra escura – como analogia ao ego, dínamo das nossas atuais emoções – é a cruz da semente. A tarefa à qual ela foi chamada a cumprir para, por méritos, ser banhada pela luz solar, símbolo do Evangelho, que, para os homens, assim como para todas as obras da criação, é o amor infinito e a sabedoria suprema de Deus.
Vencendo o egoísmo que faz a consciência viver, apenas, para alimentar os seus caprichos, o homem rompe “a casca do eu” e põe a Lei Divina no centro de suas expectativas e tal qual a árvore cresce, em linha vertical, rumo às paragens dos montes celestes. Nutrida pela seiva da caridade, a alma – na sua jornada evolutiva – passa a doar bem-aventuranças, em forma de frutos, sementes e sombra acolhedora, como testemunho da obra de Deus na sua intimidade. Surge, então, na Galileia das nossas vidas – colorida pelos mais belos jardins do sentimento, a exemplo da época de Jesus – a Boa Nova do Reino.

Com Jesus...

“Pois onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou no meio deles” (Mateus 18:20).

    Não raro, interpretamos esta mensagem consoladora do Mestre sem analisarmos os nossos propósitos. Esquecemos que, um dia, Jesus perguntou a certo doutor da lei: “o que está escrito?” “E como lês?”. Recitar as passagens bíblicas é atitude corriqueira em milhares de casas religiosas espalhadas pelo mundo. Agora, retirar VIDA das Escrituras divinas – trazidas ao nosso orbe – pela linguagem humana, poucos deram conta de fazer. Seria muito simples que um amontoado de gente se reunisse em determinado lugar, e ali, a paz do Cristo estivesse presente. Todavia, não é esse o cenário averiguado na realidade. Reunir-se em nome de Jesus é tarefa para corações que fazem do templo (religião) e da oficina (mundo) uma só casa; ou seja, onde quer que estejam, estudam e trabalham, com esforço, para que, na sua conduta, os semelhantes possam ler uma página do Evangelho. Em seu amor magnânimo, Jesus gostaria que, em todas as reuniões da fé, as portas fossem abertas para ele. Não as portas materiais com trinco e fechadura, e sim, as das almas sinceras que tratam pobres e ricos da mesma forma, que não se aproveitam da boa-fé do próximo, que não se põem acima do bem e do mal e que renunciam aos caprichos humanos para que a voz divina possa tocar os Seus filhos amados.
   Onde encontrar, então, a presença de Jesus? Na qualidade do ambiente, pois onde o Celeste Amigo se encontra, há alegria, esperança frente aos problemas, cuidado com o sentimento do próximo, palavras sadias, mentes renovadas para o bem, perdão das ofensas, poder de renúncia a serviço do bem-comum, sintonia com a espiritualidade superior, fé em Deus e na imortalidade da alma. Onde Jesus se encontra uma simples ameaça à felicidade e ao livre-arbítrio do outro é vista como aberração, uma vez que denota o afastamento da Lei Divina alicerçada no amor. O Cristo disse ser o Caminho, a Verdade e a Vida. O caminho exige alguém para caminhar. O Mestre estará sempre ao nosso lado, mas o trabalho na imensa jornada evolutiva depende do nosso próprio esforço. A Vida é um campo enorme e nele ninguém colhe o perfume do sândalo, plantando ervas daninhas. E a Verdade, conforme salienta Emmanuel, só chega “a ouvidos dignos”, porque nas palavras de Jesus – “Deus não joga pérolas aos porcos”.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O perdão

Então, aproximando-se Pedro, disse-lhe: Senhor, quantas vezes meu irmão pecará contra mim e o perdoarei? Até sete vezes? Jesus lhe diz: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete. (Mateus 18:21-20).
Utilizando-se de uma expressão idiomática do hebraico – "setenta vezes sete" – o Cristo estende ao infinito a necessidade do perdão. Para o julgo comum, o ato de perdoar é sinal de fraqueza, mas para alma que vibra nas estações da caridade, esquecer a agressão recebida é a oportunidade de vivenciar os postulados do Mestre e se libertar das algemas dos sentimentos inferiores. Se a justiça humana age, não raro, com intuito de aniquilar o infrator, a Justiça Divina encontra-se no mesmo patamar da misericórdia, porque a Lei de Amor é o ponto máximo de toda Legislação Celeste, e a criação universal encontra-se mergulhada nela. Sob o alicerce do perdão, o agredido haure forças para se sublimar, enquanto o agressor, diante de tamanho exemplo de fraternidade, vê-se convidado à
tarefa da redenção.
Como bem afirmou Desmond Tutu, o Prêmio Nobel da Paz e primeiro Ministro de Nelson Mandela: " Uma sociedade que se vinga cria uma nação de mutilados".

Um coração que ama

“Assim que comeram, Jesus diz a Simão Pedro: Simão, [filho de] João, tu me amas?” (João 21:15).

   A pergunta é emblemática. O Mestre poderia indagar ao discípulo quanto às suas mais eminentes virtudes intelectuais. Entretanto, assim não procedeu. Porque se fosse esta a intenção – reunir cérebros brilhantes segundo os preceitos do mundo – o Cristo teria formado o círculo íntimo dos seus apóstolos com os doutores do Sinédrio ou os catedráticos das universidades de Tarso e Alexandria. Em verdade, sabia Jesus que o Reino de Deus é a obra divina no coração dos homens. À época, Jerusalém estava impregnada pelo fermento farisaico. O povo perdia-se nas cerimônias exteriores dos templos luxuosos em intermináveis rituais de adoração. Israel afastava-se, cada vez mais, da pureza espiritual dos ensinamentos trazidos ao planeta pela sensibilidade dos profetas. Os sacerdotes inventavam lugares santos, ignorando que toda Terra é altar sagrado de Deus. Enquanto, o dogmatismo, o falso raciocínio da superioridade de raça e as interpretações fundamentalistas dos Escritos Divinos não conseguiam extrair o espírito da letra e nem separar o joio do trigo. Prova desse cenário é a indagação do Cristo a Nicodemos, quando lhe falara da necessidade de “nascer de novo” para ver o Reino de Deus: “Tu és Mestre de Israel e não sabes estas coisas?” (João 3:10).
Além dos desvios morais do povo escolhido para erguer a fé universal no Deus único e na sua Lei de Amor (vide os dois mandamentos inaugurais do Decálogo), o orbe terrestre era dominado pelos anseios imperialistas de Roma, que naufragava, retumbante, na missão que lhe fora dada de encurtar as fronteiras nacionais a fim de semear o espírito de fraternidade entre as nações. Na aurora dos dias primevos da Era Cristã, outra pátria também se encastelava nas obras arquitetônicas erguidas graças à inteligência maravilhosa dos seus sábios. Da suntuosidade do Areópago ao palco de espetáculos do anfiteatro, passando pelo monumento de beleza do Pathernon, a Grécia respirava os ares das filosofias negativistas e contentava-se com os mitos de seus deuses antropomórficos e humanoides.
Desta forma, religiosos, cientistas e filósofos – apegados às conquistas transitórias – alimentavam o sonho de um eldorado materialista sem compaixão, amor e caridade. Mal sabiam eles que as construções, puramente humanas, não resistem ao imperativo do tempo. A seu turno, cada civilização contribui, de algum modo, para o progresso da Humanidade. No entanto, nada é capaz de livrá-las das Leis da Natureza do mundo corpóreo. A matéria se transforma. Os séculos varrem castelos, catedrais, arenas e impérios, levando-os ao pó da terra. Por conhecer as verdades presentes nas mais distantes estrelas, Jesus reuniu homens simples, afastados das pomposas atividades do pensamento, porém mansos de coração, e deu a essas almas devotadas, cheias de vigorosos ideais de renúncia, o encargo de levar o Evangelho aos aflitos esquecidos pelos governos sociais. Assim, não mais o “Senhor dos Exércitos”, sedento de guerras fratricidas, e sim o Pai que ama os Seus filhos e é capaz de buscá-los, eivado de misericórdia, como narra o Rabi da Galileia, em linguagem simbólica, na Parábola do Filho Pródigo. Com Jesus, o temor a Deus, símbolo da fé rústica, é substituído pela manjedoura do amor. A Boa Nova, necessária frente aos velhos conceitos religiosos, vinha trazer notícias auspiciosas do Mundo Maior.
   Então...
    ... Pergunta o Emissário Celeste:
“Simão, [filho de] João, tu me amas?” Ele lhe diz: Sim Senhor, tu sabes que te amo. Jesus diz a ele: apascenta as minhas ovelhas. (João 21:15).
O Cristo ensinou a todos nós o valor de se combater o erro, mas amar, sem limites, aqueles que erram; deixou claro que não há sentido em mergulhar no amor de Deus, se as criaturas não canalizá-lo para o seu semelhante; provou que o verdadeiro pastor tem cheiro de ovelha e recusa-se a ficar, isolado, em cima de um púlpito, assoviando lições não vividas e mostrou que quem não ama só enxerga defeitos, porque se limita ao presente; enquanto, a alma que ama vê qualidades e enxerga potenciais, haja vista que acredita na capacidade imanente do ser humano de evoluir. Dentre infindáveis lições, o Mestre também mudou a relação do religioso com as liturgias dos templos, ao dizer: “entra no teu aposento e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto” (Mateus 6:6).

ESCRAVO?

... Ao ver um grupo de jovens entregue às ruas e dominado pelo vício do crack, o pai comentou com o filho de 12 anos:

– Veja só aqueles rapazes, tornaram-se escravos das drogas...

O menosprezo materializou-se nas breves palavras, carregadas por uma artificial superioridade.

O menino, de sua baixa estatura, ergueu a cabeça para alcançar os olhos paternos e, utilizando-se de um raciocínio incomum, assim falou:

– É verdade, papai, o senhor tem razão. Mas, além desse, há outros gêneros de escravidão.
E enumerou-as: 

– Há os escravos da maledicência que não conseguem olhar a vida dos outros sem se utilizar do desdém.
– Há as personalidades enclausuradas pela violência, incapazes de dar uma resposta sem ignorância.
– Há os corações amordaçados pela mágoa, fraquejando ante o exercício do perdão.
– Há as mentalidades egoístas que desejam tudo para si e encontram-se no calabouço do ego.
– E há também os filhos do orgulho que não admitem VIDA fora de suas concepções.

O homem, altamente personalista, enxergou no filho um espelho de sua alma e nada averiguou que pudesse envaidecê-lo. Em segundos, pesou-lhe na consciência os valores ministrados na educação doméstica. Por fim, abraçou a criança, colocando-a junto ao peito como que agradecido pelo facho de luz aceso na sua consciência. Uma voz silenciosa o convidava para tarefa da reforma íntima.

A lucidez de uma mãe

Cabisbaixa, a jovem, exibindo a beleza dos seus 18 anos, desabafou junto ao coração de sua mãe: – A partir de hoje, não ajudo mais ninguém. As pessoas só me procuram por interesse, quando estão precisando... Cansei de fazer o papel de boba e, sempre, "levar pela cara".

Compreendendo a tensão do momento delicado, a alma materna trouxe ao peito a filha amada e afagou-lhe os cabelos num transporte de ternura, doando-lhe cuidados, típicos do amor.
Cessado o pranto de revolta, a voz doce emanou por toda casa:

– Minha filha, o simples fato de cultivarmos afeição por alguém já representa um tesouro divino do sentimento. Se está tão revoltada, é porque fez o bem esperando algo em troca, nem que fosse uma palavra de gratidão. Ajuda e passa. No minuto seguinte, pode haver outra pessoa necessitada de sua compaixão. Caso estacione, cheia de lamúrias e com ego ferido, chegará à minha idade sem esperança na vida. Quem se dá ao luxo de decepcionar-se, irremediavelmente, passa por esta Terra amando pouco e acumulando mágoas. Viver não é está sob posse de um corpo físico. Vida são experiências dignas de Deus.

Comentário: nas famílias, aprendemos a construir edifícios da intelectualidade para competir com o mundo e exibir láureas acadêmicas, no entanto, raramente, somos orientados a educar o sentimento. E desse enorme descuido, nascem as doenças psicossomáticas como a depressão e as diversas síndromes, entre elas, a do Pânico. Ninguém mergulha no calabouço das emoções porque não domina a ciência dos cálculos ou a arte literária. Adoecemos, emocionalmente, pelo abandono do maior patrimônio do homem: o sentimento.

E ainda permanecemos na luta inglória para revolucionar o mundo sem transformarmos a nós mesmos...

...Se as superestruturas de poder de um país adoecem, é sinal de que há algo de errado com as células que as compõem, isto é, os seus cidadãos. Nenhum povo mergulha num regime de corrupção por culpa exclusiva de uma única pessoa. Não é justo crucificar determinada personalidade, em particular, numa pátria na qual as instâncias do Legislativo e do Judiciário estagiam, igualmente, nas mesmas mazelas éticas.
   Clamamos todos por novos políticos, sem o vício do dinheiro e de ideias megalomaníacas. Mas, de onde eles virão? Das famílias? Das universidades? Das casas religiosas? Será que essas instituições encontram-se saudáveis? Será que a educação que recebemos nelas está calcada em bases morais? Por ventura, nesses redutos, é ensinado que a nossa felicidade não pode ter como alicerce a miséria dos outros? As academias do mais alto pensamento científico e filosófico instigam os seus adeptos a conhecerem a si mesmos? E no lar, aprendemos a lidar com as emoções ou somos cooptados a reagir como feras acuadas a fim de sobrepujar o semelhante?
  Pensamos muito em coerção, combate a impunidade, assinatura de protocolos, normas rígidas e renegamos a fonte natural dos problemas: as relações pessoais – das quais ninguém pode escapar. A causa dessa deterioração não é misteriosa ou o imprevisto de um Big Bang. As ideologias monolíticas estão em processo de falência, pois fracassaram ao tentar desmembrar o homem, arrancando-lhe o patrimônio do sentimento para jogá-lo no poço do materialismo político e, pasmem, religioso, como se a competição voraz fosse superior a um sistema de solidariedade. Nessa perspectiva egoísta, renova-se tudo o que é exterior, mas, intimamente, os homens permanecem os mesmos... Então, nada mudará.
   Que tipo de violência pode resolver tamanha crise moral numa época de armas químicas e teleguiadas? Seria prudente que o povo abandonasse os salvadores da pátria que vendem facilidades, o fundamentalismo de qualquer ordem e procurasse os andarilhos notáveis e anônimos que entenderam a necessidade de se doar ao próximo. Não há mais espaço para discursos, revestidos com o véu humanista, todavia inspirados no ódio.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Contexto da Parábola do Bom Samaritano (Lc 10:25-37): o pensamento universal do Cristo

   Jesus comunicou aos seus discípulos que iria à Jerusalém. Algo absolutamente normal: rezava a tradição que todo o homem, caso tivesse condições, deveria seguir, na data oportuna, viagem rumo à capital para celebrar a festa da Páscoa. No entanto, o Cristo afirmou que, antes de chegar ao destino citado, desejava passar pela Samaria. Ora, era esse o caminho mais longo e perigoso, neste último caso, porque os samaritanos significavam, à época, o que, hoje, representam os palestinos para o povo judeu; ou seja, inimigos de morte.
   Há registros históricos de samaritanos assassinados no coração religioso e político da nação e de judeus executados na Samaria. A guerra ferrenha se dava, embora ambos os povos fizessem parte, originalmente, de um mesmo tronco, pois até o ano 700 a.C, as 12 tribos de Israel formavam um só agrupamento. Depois, do grande cisma, ficaram 2 tribos (Benjamim e Judá) ao sul e outras 10, ao norte. Na Samaria, construiu-se um novo templo para que os habitantes do local não precisassem peregrinar até Jerusalém. Havia, inclusive, disputa para saber em qual monte Deus deveria ser adorado: na avaliação dos judeus, nas paragens do Sião e, segundo os samaritanos, no cenáculo do Gerizim.
   Os apóstolos aceitaram a proposta do Cristo. Comandados por João Evangelista, ao chegarem à Samaria, buscaram hospedagem para o Mestre. Ninguém quis atendê-los devido às suas origens judaicas. Os discípulos da Boa Nova se revoltaram: os samaritanos haviam quebrado importante código de ética do oriente ao negarem acomodação a um peregrino. Existia, também, a lenda de que desceria fogo do céu para queimar a pessoa (e toda a sua família) que recusasse abrigo a quem estivesse em romaria.
   Neste cenário, Tiago e João se reportaram a Jesus, contaram os fatos e lhe inquiriram: “Senhor, queres que digamos para descer fogo do céu a fim de destruí-los?” (Lc 9:54). O Cristo, por sua vez, não deu vida a manifestação de ódio arraigada no inconsciente coletivo em virtude da tradição.
    A viagem, assim, seguiu. Jesus e os apóstolos chegaram, enfim, à Jerusalém, certamente, exaustos pelas condições climáticas e devido à extensa caminhada no deserto. Ao pisar na cidade, o Bom Pastor, logo, foi interrogado por um doutor do Sinédrio (cúpula judaica, onde operavam os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do banco central): "Mestre, depois de fazer o que, herdarei a vida eterna?”.
    Jesus lhe respondeu com duas perguntas: "Que está escrito na Lei? Como lês?" (Lc 10:26). O doutor viu-se em situação inversa. Ele, que desejava fazer indagações, achou-se na posição de encontrar respostas. Para tal, recorreu aos textos do Deuteronômio e do Levítico, dois livros do Pentateuco Mosaico (Torá), e citou os insuperáveis mandamentos, baseados na Lei de Amor: “ Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força, e com toda a tua mente; e o teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10:27).
    O mestre da Lei deu essa resposta sintética, porque conhecia a tradição milenar de interpretação das Escrituras. Jesus, sem emendas, confirmou a veracidade do que ouvira: "Respondeste de forma justa. Faze isto e viverás" (Lc 10:28). Estava dado o parecer do Cristo a respeito da questão: "... depois de fazer o que, herdarei a vida eterna?". Sobre o que versava, então, a conversa entre o Rabi da Galileia e o membro do Sinédrio? "Interpretação de texto", 1000 anos de estudos dos livros de Moisés e de cultura religiosa.
    Os textos mosaicos disseram aos patriarcas – Abraão, Isaac e Jacó – que a eles caberia o direito de herdar a Terra Prometida. Séculos se passaram, após a promessa divina, e alguém perguntou: Abraão morreu; como ele herdará a terra? A fim de elucidar a dúvida, Hillel, o avó de Gamaliel (mestre de Saulo de Tarso), disse que esta terra não era um lugar fixo, mas um mundo novo (regenerado), onde o amor iria prevalecer; desta forma, não mais um povo privilegiado, e sim, a Humanidade inteira.
   O erudito (o inquiridor da parábola) resumira os 614 mandamentos da Lei em 2 e foi aprovado por Jesus. Todavia, quando não queremos fazer algo que sabemos ser o certo, racionalizamos uma desculpa e ignoramos o brilho do sentimento. Para o doutor, o primeiro mandamento era perfeitamente compreensível. Os judeus estudavam-no na escola desde tenra idade.
  “Amar a Deus de todo o coração”, o que representava essa frase no primeiro artigo do Decálogo? Para o povo hebreu, o coração não era, apenas, a sede do sentimento, era morada também da inteligência. Na avaliação deles, o coração do homem é bom, mas encontra-se sempre em conflito, por isso, tem vontade de fazer o mal. Amar a Deus significa, pois, dar unidade ao coração; ou seja, utilizar o sentimento e a sabedoria no exercício do bem. Sem unidade, o coração está dividido e, desta forma, é impossível amar a Deus.
   O segundo nível: “amar Deus de toda a alma”. Alma e corpo integravam um todo; quer dizer, não havia separação entre ambos. A interpretação dizia: não venha só com sentimentos e palavras, fazem-se necessárias atitudes concretas, não à toa, eles peregrinavam e mantinham o ritual das oferendas.
   Terceiro nível: “amar a Deus com toda a tua força”, isto é: colocar todos os recursos disponíveis na atividade do bem, numa definição, a serviço de Deus. No ato de amar o Todo-Poderoso, o judeu não criava discussões. A tarefa tratava de um ponto pacífico. O problema estava em amar o próximo. Muitos defendiam a tese de que o próximo - no texto em hebraico, a palavra é irmão – era, tão-somente, amar o próprio judeu. Logo, se o sujeito fosse romano, não precisava amá-lo; se viesse da Grécia, também não e, caso fosse samaritano, menos ainda. O meu próximo deve ser alguém do meu povo. Essa era a interpretação majoritária.
   (Se nem mesmo o hebreu, o povo que recebeu a Torá, tinha domínio completo das interpretações das Escrituras devido às suas fragilidades morais, o que dizer de nós outros que, infantilmente, cremos que o Velho e o Novo Testamentos foram escritos em Língua Portuguesa para brasileiros no século XXI).
    Continuando...
   Sob o prisma daquele raciocínio, se qualquer judeu visse um romano caído na estrada, ele podia seguir adiante, pois ali, sofria alguém que não era de seu povo. Hillel, todavia, alertava que "irmão" tinha um sentido mais amplo e não se resumia, apenas, aos homens da mesma nação. Citava, para melhor discernimento, referências do próprio Antigo Testamento como a passagem em que Abraão recebeu peregrinos vindos de outro povo.
    Quando Jesus recomenda: "Faze isto e viverás"; ou seja, será considerado um justo e terá a vida eterna (um mundo de paz e amor), o catedrático diz ter uma dúvida a fim, de outra vez, testar o Nazareno: "Quem é meu próximo?" (Lc 10:29). Ele ansiava que o Cristo desse uma resposta pronta para, assim, criar contenda como quem diz: "não, este não é o meu próximo. Sou judeu". O Messias, sabiamente, conta a Parábola do Bom Samaritano com intuito de submeter o exame do tema à consciência do doutor da Lei. Quando o Cristo faz a narrativa de profundo significado espiritual, João Evangelista e Tiago, que também estavam ao seu lado, devem ter captado a lição, porque, anteriormente, eles desejavam que descesse fogo do céu para matar os samaritanos.
   Lembrete: Jesus vinha de uma longa caminhada e não encontrara repouso, pois os samaritanos haviam lhe negado hospedagem e, mesmo assim, ele conta a Parábola do Bom Samaritano para ilustrar as ações do homem de bem.
    Prosseguindo...
    Na Páscoa, Jerusalém ficava com aproximadamente 1 milhão de pessoas - 10 vezes mais a população local. Na parábola, o único ser não identificado foi o homem que descia de Jerusalém para Jericó, aquele que, no desenrolar dos fatos, precisaria de ajuda por “cair nas mãos de assaltantes, os quais, depois de havê-lo despojado e espancado, retiraram-se, deixando-o semimorto”. (Lc 10:30)
    Por que Jesus ocultara a identidade dele? Se olhassem para o viandante, dava para identificá-lo pelo sotaque? Não, ele estava inconsciente. E pela cor da pele? O sol desértico deixava todo mundo bronzeado. E pelas roupas? Ele estava nu. E quanto à fisionomia? Ensanguentada. Pois bem, aquele que desejasse auxiliá-lo deveria exercer a mais ampla caridade sem olhar a quem.
    Segue a narrativa: “Por coincidência, certo sacerdote descia por aquele caminho e, ao vê-lo, passou pelo lado oposto” (Lc 10:31). O doutor da Lei respeitava muito o sacerdócio organizado em virtude das atividades no templo. O que se espera, em verdade, de um sacerdote? Que ele cumpra a Lei Divina (os dois maiores mandamentos alicerçados no amor). A tradição do povo hebreu dizia, porém, que sob a penalização de ficar ritualmente impuro, o sacerdote não deveria tocar um cadáver e, caso houvesse o contato, a purificação, no porvir, seria muito trabalhosa. Mart Luther King, certa vez, afirmou que o ministro da fé estava preocupado consigo, sobre o quê diriam dele, e não, com a dor do outro. Fica, aqui, um questionamento: e se o homem caído pertencesse a sua parentela, qual seria o procedimento: pesariam mais os deveres clericais ou o fator humano? O levita, ajudante do sacerdote, “que vinha por aquele lugar, ao vê-lo, passou pelo lado oposto” (Lc 10:32). Eis o retrato da pessoa que imita alguém sem questionamento.
    No entanto...
    "Certo samaritano, em viagem, veio até ele e, ao vê-lo, compadeceu-se. E, aproximando-se, atou os ferimentos dele, derramando óleo e vinho. Após colocá-lo sobre seu animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao hospedeiro, e disse: Cuida dele, e o que gastares a mais, quando eu retornar, te pagarei”. (Lc 10: 33-35)
    O texto não diz de onde o samaritano vinha. Se estava na festa da Páscoa em Jerusalém ou se retornava de outro lugar. Não dá para afirmar se o viandante era religioso segundo as convicções da época. Entretanto, o certo é que ele "compadeceu-se". Verbo na voz reflexiva. Praticou e sofreu a ação. Tocou-se e deixou-se tocar de piedade e compaixão, assim, "amou a Deus de todo o coração". Teve o sentimento necessário e também a sabedoria para ajudar. Desceu do animal, usou o vinho como antibiótico natural, fez do azeite um bálsamo para aquelas chagas abertas, colocou o homem sobre a montaria e o conduziu pela estrada. Em seguida, levou-o até a hospedaria, pagou pelo aposento e disse ao comerciante: “Cuida dele, e o que gastares a mais, quando eu retornar, te pagarei” (Lc 10:35). Sinceramente, "amou a Deus de toda alma", com atos práticos.
    O doutor da Lei teve que reconhecer valores espirituais numa pessoa da qual não gostava. Com a força viva do exemplo, Jesus o perguntou: “Qual destes três te parece ter-se tornado o próximo do que caiu nas mãos de assaltantes?” (Lc 10:36). O religioso do Sinédrio que já detinha a resposta, em si, colocou-a para fora... Deste modo, perguntemos aos religiosos da atualidade: Quem é o seu próximo? Talvez, eles ainda respondam com o amor seletivo: “ele, ela, aquele e aquela” (todos dentro do mesmo sistema de crença que o meu). Na contraparte, “este não, esse também não, aquele menos ainda” (, pois não pertencem a minha casta).
    A pergunta de Jesus – “qual destes três te parece ter-se tornado o próximo do que caiu nas mãos dos assaltantes?” –  é emblemática. O Cristo faz a indagação sob a perspectiva do homem caído; ou seja, e se o necessitado fosse você (no caso, o doutor da Lei)? O judeu entendeu a mensagem por ser muito inteligente e certificou-se da verdade: “O que praticou a misericórdia com ele. Disse-lhe Jesus: Vai e faze tu do mesmo modo” (Lc 10:37).

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Um gesto de humildade

    Uma vida devotada à caridade. Desde criança, o brilho de uma luz rutilante nos olhos e a companhia inseparável do Evangelho, que Emmanuel, em sublimada inspiração, classificou como “o Sol da imortalidade”. Amável, Lurdinha carreava amizades por todos os cantos aonde ia. Tinha sempre, em mãos, algo de bom para oferecer. Até mesmo os famintos vira-latas das ruas a procuravam, pois além do faro apurado, possuíam o sentimento de que uma ajuda lhes seria ofertada. É fato que doses abundantes de amor transbordavam das comportas daquele coração.
  Conforme a consciência se aprimorava no labor da solidariedade, a encantadora criança ampliava o campo de sua atuação, amparada por benfazejas entidades. Hospitais, asilos, orfanatos, leprosários... Com estimado zelo, ela frequentava todos, valendo-se do amor de que se nutria. Dona de uma saúde de ferro, a menina virou moça e, nas lides da abnegação ao próximo, construiu a índole de uma mulher de fibra, sem perder a sensibilidade.
   Criou filhos. Dedicou-se ao marido. Enfrentou o trabalho pela remuneração honesta. Esteve na academia para conquistar o diploma de doutora, em medicina. Uma guerreira! Sem armas, contendas ou tom de voz elevado. Vivia para o bem. Até mesmo as línguas maledicentes curvavam-se diante do exemplo irrepreensível. Certa vez, no plantão de um hospital público, um paciente irritadiço a ofendeu com duras palavras em virtude da precariedade do ambulatório; e ela, carinhosamente, chamou-o de “meu irmão” e pôs-se a fazer o curativo em sua perna ferida, aliviando-lhe a dor, na ausência da enfermeira.
   Quando a aposentadoria bateu à porta, sinalizando que era chegada a hora de parar, Lurdinha continuou o serviço fraterno nas zonas periféricas de sua cidade. Eram 70 anos vividos. Sem pausa. De sua alma jorravam luzes esmeraldinas, translúcidas, de fulgor intraduzível. Doando, como dedicada médium de cura, ela hauria paz de espírito, junto à Divina Bondade.
  Nas reuniões do centro espírita, sentava-se sempre ao lado dos principiantes para encorajá-los na lavoura extensa do Consolador Prometido. Apesar da extraordinária articulação, dava palestras em tom ameno, utilizando-se de palavras comuns à vida da maioria para que as ideias evangélicas, essas, sim, pudessem cintilar.
   Lurdinha, de fato, vivera, na intimidade, sem problemas, embora cercada por muitos deles, no contato com a realidade dos semelhantes. Seu código de ética era o cuidado. E por cuidar, dedicava o que tinha de melhor. Não fazia nada às pressas, ainda mais quando o assunto era uma alma irmã. E as dificuldades do percurso iam desistindo. Nem a morte – que, muitas vezes, viu bater à porta ao lado – derrubava-a. De ouvidos atentos às trombetas do Céu, sabia que nada era fatal.
  Como essa convicção a ajudaria! Numa manhã de segunda-feira, a querida senhora não levantou da cama. Sentiu-se indisposta. Algo raro. E os filhos logo se espantaram. Não tinham recordações nem de resfriados da mãe. Apesar do pequeno espanto, todos consideraram a ocasião de uma ‘primeira vez’. Lurdinha passou o dia acamada. Chegou à noite; então, sentiu-se pior. Apresentava alguma estranhes no comportamento e, na face, trazia um semblante de exaustão. Acharam, por bem, que deveriam levá-la ao médico. E assim fizeram.
   Diante do quadro, ocorreu a internação. Lurdinha passara muito mal. Os velhos amigos da belíssima profissão atenderam-na com gigantesco carinho, as enfermeiras cercaram-na de atenção, e os pacientes, ao saberem da notícia, ficaram preocupados, cheios de vontade de vê-la. Houve até quem chorasse. Naquela cama hospitalar, estava adoentada a mãe ‘do coração’ de cada um. A dor, sem dúvidas, era mais profunda. Falava à alma.
     O melhor a se fazer era esperar. Enquanto isso, os corredores do hospital transformaram-se num ambiente de preces. Muitos deram às mãos. Outros se recolheram a fim de orar em silêncio. O clima comum dos dias ganhou matiz especial. Familiares, ali, há tempos à espera de seus doentes em recuperação, ganharam ânimo novo com a beleza espiritual que se acercara de um lugar, onde nenhum homem gostaria de estar. Foi bonito de se ver. A fraternidade tornara-se, por instantes, modelo para os aflitos. A vida enfadonha tomou contornos de leveza. Melancólicos contumazes recordaram que tinham fé e entregaram-se a vontade de Deus, suplicando-O a cura, se esta fosse de seu merecimento.
    Quinze dias foram percorridos. Dona Lurdinha entrara em coma, sem que os médicos pudessem diagnosticar, com precisão, a causa do acontecido. Os filhos se desesperaram. “Por quê?”, questionou o mais velho. “Justo com ela, que só havia feito o bem?”, indagou o caçula. O sofrimento uniu ambos e, em condoído pranto, abraçaram-se. Com o desespero, veio também o inconformismo. Algumas pessoas que viveram, de perto, a missão humanitária de D. Lurdinha tentaram acalmar aqueles dois jovens, cujo desespero fê-los imaginar-se à beira do luto.
    Em breve, o fato se espalhou. Na casa espírita, as vozes, mais antigas, sublinhavam a explicação: “são consequências de outras vidas”. Consciências, não tão resignadas, desacreditavam a assertiva. Repetiam a inesquecível frase de Kardec, “fora da caridade não há salvação”. E, por enfatizarem o exercício que põe o amor em movimento, julgavam-se na condição de penetrar os desígnios de Deus e afirmavam: “com tanto serviço ao próximo, ela não merecia tamanha agonia”.
Porém, o desencarne esperado não aconteceu naquele tempo. D. Lurdinha ‘dormiu’ por 10 anos. Retornou à pátria espiritual aos 80. O período, de aparente ‘invalidez,’ despertou cuidados amplos, de muita gente. Inclusive dos filhos que – por terem a mãe sempre prestativa – esqueceram-se do dever de servi-la, mesmo nos dias de visível cansaço. Brotaram, assim, mãos operosas, lábios dulcíssimos, corações amigos, pensamentos irmãos e carícias de luz. D. Lurdinha foi visitada todos os dias. Jamais passou uma madrugada sozinha. À cabeceira de seu leito, foram dispostas imagens de santos, folhetos de orações, terços, água fluidificada para lhe umedecer os lábios, Bíblias abertas nas páginas do Velho Testamento, galinhos de arruda... Tudo arrumadinho. Uma comunhão de crenças. Laços de fé. Em coma, ela conseguira reunir corações que, de tão enternecidos, ignoraram as diferenças religiosas.
   Quando a perplexidade já se convertera em alegria, uma carta do mundo espiritual chegou ao centro espírita, e a todos inundou de lágrimas. Pôde-se ver em cada olhar um choro bem sentido, daqueles que partem de atmosferas antes insondáveis da alma e veem revelar a Bondade que vai além das nossas forças.
   Por acréscimo de misericórdia, o manuscrito dizia assim:
     Irmãos, cheios de júbilos, recebemos, neste lado da vida, a nossa querida Lurdinha, meiga e doce, como sempre. A saudade é enorme, eu bem sei. Mas, pelo que vi de perto, vocês aprenderam a não se lastimar. Amaram muito sem pedir explicações. Creram em Deus. Entregaram-se a Piedade d’Ele. Lurdinha está aqui e pede para lhes dizer ‘um muito obrigada!’. Porque além da caridade, ela aprendeu outra palavra no alfabeto divino: humildade. Todos precisam de ajuda. A mão que se estende para soerguer é caridosa, e aquela que aceita é humilde. Lurdinha precisava experimentar a compaixão, a solidariedade e, até mesmo, o olhar de pena das pessoas. Ela que tanto doou, caricia de receber, pôr-se na condição do necessitado... Amados, saibam que caridade e humildade se unem no mesmo rio da vida. A mão operosa, de sempre, descansou, na doença do corpo, para que o coração, mais atento, pudesse contemplar a paisagem e recolher luzes nas Esferas do Infinito. 
                                                                                                            

domingo, 28 de junho de 2015

Quem sustenta as bases da vida?

    O nosso pensamento destreinado ainda nos leva a crer que são os políticos e uma casta reduzida de empresários que sustentam as bases deste país com suas decisões, muitas vezes, arbitrárias e desumanas. Sinceramente, é chegada a hora de trabalharmos o olhar, porque o problema ou a solução não se encontram na paisagem, mas nos olhos de quem a contempla. Se a sociedade fosse, tão-somente, guiada pelo raciocínio mercantilista, pragmático e cruel de uma gente, bem estranha, que “governa” o Brasil, já teríamos ido à falência econômica e moral. Em verdade, esta nação – nos painéis do tempo – foi construída pela “flor amorosa de três raças tristes” (Olavo Bilac) e graças a tal composição, surgiu um povo abnegado, trabalhador e caridoso. Quem tiver a oportunidade volte o olhar para o mundo a nossa volta. Há mulheres e homens (de coração maternal) que levam este país à frente através das fibras do sentimento. Se não fossem esses cooperadores anônimos, não haveria morfina que desse jeito nos gemidos dentro dos quartos de hospital; inexistentes seriam os sorrisos nos asilos; raras as brincadeiras, seguidas de alegria, nos institutos que tratam de doenças infantis; erradicada estaria a esperança dos órfãos nas filas de doação; emudecido seria o pranto dos depressivos nas fileiras religiosas e também a dor imensurável das mães que viram seus filhos partirem antes.
    Os triunfadores, com as mãos sujas de sangue e os bolsos contaminados pelo dinheiro da corrupção, encontram-se na sarjeta da grande escola da Humanidade, enquanto essas almas generosas, apesar de não serem aplaudidas e ovacionadas, caminham na vanguarda da vida, tendo como norte as mais nobres emoções.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Com os olhos imortais...

Reflita sobre o mal aparente que entra em sua vida. Desabafa se preciso for, todavia contenha as mãos ávidas pela ação do revide. Medita na Lei de Reencarnação. O coração machucado de hoje, comumente, é o carrasco de existências pretéritas. Vítimas e algozes trocam de posição incessantemente a cada nova oportunidade de redenção. Tornam-se, em verdade, parceiros de infortúnios, que cobram dívidas um do outro, sem observarem o tamanho de seus extensos débitos. Ninguém entra em nosso campo espiritual por acaso. As esferas evolutivas estão muito bem demarcadas pela inteligência Suprema. Se o ímpeto que lhe ataca é o da vingança, creia um tanto mais no amor. Recorra ao perdão, não 7 vezes como pensava o apóstolo Pedro, mas “70 vezes 7”, conforme recomendou Jesus. A Justiça Divina não age para humilhar; nela, o agressor encontra trabalho regenerador de suas próprias obras, e o agredido, condições a fim de se sublimar através da renúncia ao orgulho. A dor dilata as potências da alma. O martírio é mecanismo santo dos desígnios de Deus. Abençoa, pois, o verbo que lhe machuca. Em tudo, dê graças ao Senhor. No mundo, o que os nossos olhos vêem está morrendo ou já morreu. Construa por dentro. Faça jus à imortalidade. Redobre seu esforço em preces. Rogue ao Pai que lhe amplie a capacidade de ver. Não por intermédio da carne, mas inspirado pelas claridades do Espírito. O Paraíso não é um lugar fixo. Ele se desdobra onde os seres iluminados estão de passagem. O problema não está naquilo que se vê, e sim, nos olhos de quem vê. O Céu encontra-se no olhar.

Nós podemos muito

Muitos religiosos do mundo dizem crer, porém vivem como ateus. Acham que Deus nos fez imortais em Espírito e Verdade e, depois, tirou férias. Irrefletidamente, desesperam-se por automatismo, sem anotarem a influência dos vícios que se tornam hábitos. Saibam, pois, meus irmãos, que as dores muito me têm ensinado. Ciente de minhas enormes carências, agradeço aos Céus cada dificuldade vivida. Sem elas, eu teria andado pouco, quase nada. Sejam bons com vocês mesmos. Culpem-se menos. O Criador não governa os mundos do Infinito como se fosse um agiota cruel que cobra juros com correção monetária. A Justiça Divina também não é um sistema bancário. A inteligência Suprema do universo não precisa fazer contas. Se você errou ontem, repara agora ou espere momento oportuno. A hora certa virá. Repita com Simão Pedro, o humilde apóstolo, as palavras de Jesus: "o amor cobre uma multidão de pecados". Permita que as Esferas luminosas ajam em sua vida. Filho de Deus não fica órfão.Arruma, com a misericórdia do Senhor, o seu "templo interno abandonado". De mansinho, ouça a voz da Caridade falar aos seus ouvidos. As angústias que lhe cercam são tormentas passageiras. O poder delas é relativo. Só o Todo-Poderoso é absoluto. Una-se, então, a Ele. E não tente enquadrá-Lo nos seus pensamentos, porque o Eterno Amor encontra-se sempre além, apenas, sinta-O nas batidas serenas do seu coração. Você tem um Pai, que lhe procura apaixonadamente, como "fogo consumidor", enviando sinais de todos os lados. Desperta! Vem para vida, porque o Reino Divino, sem a sua presença, não estará completo. O Cristo precisa de trabalhadores. Não é necessário fazer muito. Comece tão-somente. Enxugue, se puder, a primeira lágrima que rolar a sua frente. E se essa lágrima for a sua, seja caridoso consigo mesmo.

Uma carta para você:

Um dia, perguntaram ao poeta Guimarães Rosa o que era misericórdia, e ele, com notável sensibilidade artística, respondeu assim: "é o mesmo que pôr o coração nas misérias do próximo". Neste instante, não posso dimensionar o tamanho de sua dor, porque o sofrimento, em questão, angustia o seu peito, e não o meu. O que, para mim, pode parecer pouco; aos seus olhos, apresenta-se como imensa tempestade. E o mesmo ocorre no contrário. Certamente, há obstáculos na minha estrada evolutiva que você já superou. Cada Espírito traz consigo uma história única e inimitável. A mensagem que lhe trago, hoje, é, sobretudo, de esperança e misericórdia, pois embora eu não dimensione a sua dor, o meu coração aprendeu a estar do seu lado.
Quando somos assediados pelas armadilhas das sombras, o primeiro passo, na estratégia da obsessão, é dado no sentido de enfraquecer a nossa fé e de cortar a sintonia da alma encarnada com as entidades que trabalham a serviço do Cristo. Em todos os âmbitos, através de sugestões e experiências vividas, o mal nos diz, minando nossas forças, que Jesus não é "o Caminho, a Verdade e a Vida". Hoje, numa palestra, no Centro Espírita André Luiz, enxerguei, claramente, este cenário na tela do meu coração. Saiba, minha irmã, que as vozes sublimes do mundo espiritual continuam a nos confirmar: não existe mal, neste mundo, que o Mestre dos mestres não conheça o remédio.
Há poucos dias, um homem, muito educado, ao me ouvir desabafar, recomendou-me: “Não pergunte mais o porquê das provas e expiações, mas para quê?” A causa nos será revelado no tempo oportuno; no entanto, o ponto principal do problema encontra-se em sua finalidade providencial. Nenhuma criatura sofre na Terra sem o conhecimento de Deus. Ele é a inteligência diretora da vida. Força alguma, nas atividades do medo, pode mais, por exemplo, do que um preto-velho. No Espaço, alça voos maiores aqueles que amam. Os Espíritos do Senhor, “como estrelas cadentes”, chegam à atmosfera do planeta e chamam as almas, em aflição, para leira do amor, o campo divino onde construiremos a obra de Deus em nós mesmos.
Confia, então, uma pouco mais. Você não está sozinha. Nada é 100% ruim. Se fosse, Deus não permitiria que enfrentássemos certas dificuldades.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

" Se eu tivesse 1 milhão de reais..."

    Era aquela a décima consulta com o psicanalista. Jorge estava agitado. Tinha muitas dívidas. Atento à angústia do paciente, o médico lhe disse: – Não sofra por antecipação. Você trabalha e tem condições de pagar o que deve.
   Ao ouvir a recomendação sensata, ele coçou a cabeça, afrouxou a gravata e, em sintomática crise de ansiedade, revelou o grande sonho de sua vida: – Sabe, doutor, se eu tivesse, neste momento, 1 milhão de reais, nunca mais teria problemas. 
    Dr. Rafael refletiu sobre a declaração e, fraternalmente, trouxe à baila casos elucidativos:
– Meu caro, se você quiser, posso lhe apresentar uma lista de, pelo menos, 20 pacientes meus que possuem fortunas muito superiores à citada. São pessoas que podem frequentar os melhores restaurantes do mundo, contudo não têm mais a alegria de saborear um prato.

  – Gente que tem condições de comprar roupas de grifes internacionais, todavia não possuem, há tempos, o prazer de se vestir.

– Empresários que vivem em mansões, porém não conseguem construir um lar.

– Magnatas que viajam o mundo, mas perderam a capacidade de observar a vida.

– Seres humanos que têm filhos, entretanto já não sabem o valor de um abraço. 

      O homem calou-se por dentro. A narrativa terapêutica silenciou os ruídos íntimos que o desesperavam. Ele, sem palavras, agradeceu com o olhar e refez os próprios sonhos no desenrolar de 1 segundo – isto mesmo: 1 segundo de reflexão deu-lhe o discernimento que todo o dinheiro conquistado já mais foi capaz de lhe dar. 
    Jorge foi para casa, vestiu a roupa mais simples de seu armário; viu-se bonito à frente do espelho; sentou-se à mesa; saboreou como nunca o tempero da mulher; sentiu no peito a felicidade de ter uma família; abraçou, demoradamente, os filhos, dizendo: “eu amo vocês” e, na companhia de todos, foi passear na praça a fim de contemplar o céu estrelado e, na paisagem celeste, encontrar, em si mesmo, o Criador na obra da criação.

O amor do amor se nutre

     Certa mulher aproximou-se de uma alma muita caridosa que doava alimentos e palavras de conforto nas periferias de Minas Gerais. Triste, com o seu casamento quase esfacelado, ela abriu a boca para revelar as angústias do coração. Em palavras desencontradas, queixou-se de tudo – do esposo, dos filhos e também da vida. Muito atento, o querido amigo tocou-lhe as mãos, com acentuado movimento de ternura, e falou mansamente:
   – Minha irmã, aprenda a nutrir-se do amor com que você ama a Deus e os seus semelhantes. É o amor que cultivamos, em nós mesmos, que nos sustenta. Através dele, dilatamos as nossas potencialidades divinas e tornamo-nos, na Terra, veículos do sentimento da Eterna Bondade. Agora, se o homem espera receber para doar, torna-se, em verdade, um pedinte espiritual e corre grandes riscos de passar sede e fome no terreno das mais puras emoções. Há alguns anos, eu, particularmente, sofria demais com a indiferença alheia e as injustiças do mundo; hoje, porém, aprendi a suportar as dores do caminho sem murmurar. Percebi que, enquanto me dirigia aos Céus com o meu quinhão de lágrimas, a espiritualidade superior, ao passo que me trazia o lenço da consolação, suplicava por mãos generosas em que pudessem depositar a confiança do trabalho na seara do bem.
O silêncio meditativo, então, como terapêutica das inteligências do invisível, permitiu que as doces arguições do simples orador penetrasse a “cripta secreta do coração” daquela mulher, antes aturdida no báratro das inquietações familiares. Percebendo a ação benfazeja do seu verbo de amor, o homem retornou ao serviço de cooperação e ouviu ressoar na acústica da alma o pedido enobrecedor: – Como faço para ajudá-lo nesta atividade de amparo ao próximo?

A necessidade da exemplificação

   Há algumas décadas, surgiu na América um guru que incentivava os seus discípulos à pratica do suicídio como forma de alcançar o “paraíso”. Fora de si, essas pessoas “orientadas” seguiram a cartilha de seu guia e modelo: desistiram, então, da experiência terrena, retornando ao mundo espiritual na posição de suicidas. Após a catarse, certos curiosos, perplexos, perguntaram ao “religioso” o motivo dele não fazer o mesmo, a reposta foi sintética: – Alguém precisa ficar aqui (na Terra) para orientar. Esse caso é extremo, porém serve como referência à análise.

    É fundamental ter muito cuidado com esses falsos líderes que se arvoram em representantes de Deus, ministros da fé e, no intuito de dar validade à ideias doentias, violentam consciências, insufladas por fantasias, incompatíveis com a infinita bondade do Senhor.

   A vida é cheia de turbulências, e diversos sacerdotes (em grande parte das religiões!) reconhecem esse cenário de dor e aproveitam-se do sofrimento alheio para obter vantagens, fazer promessas injustificáveis e disseminar o medo. No século XXI, não deveríamos mais cair em tais armadilhas. Independente da religião particular de cada um, os homens já possuem suficiente repositório de informações espirituais para guiá-los no caminho do bem.

   Com a experiência da cruz, o Cristo – no templo da Natureza, em meio aos necessitados de toda ordem – ensinou à Humanidade que, nas derrotas da vida, encontram-se as lições mais preciosas para o Espírito imortal. Vezes múltiplas, consideramo-nos fracassados, mas espiritualmente estamos ganhando, construindo “por dentro”. Nisto, reside o processo de educação do sentimento – o maior patrimônio da alma.

   Por hábito, temos nos acostumado com líderes religiosos que mandam fazer e apontam o dedo em certa direção, contudo se observarmos a vida deles, veremos o caos: são personalidades que pregam uma coisa, e vivem outra. Num exame, com carinho e certa dose de razão, concluiríamos, prudentemente, em seguida: “eu não quero tanta hipocrisia, angústia, conflitos e inimigos para mim. Chega de tomar tóxico intelectual como se fosse mel”.

   Sem dogmatismo, ao olharmos o exemplo de Jesus, veremos que ele jamais mandou ninguém fazer nada, antes de ir à frente para mostrar o caminho. No Monte das Oliveiras, quando Pedro empunhou a arma para defendê-lo, cortando, assim, a orelha do soldado romano, o Divino Amigo orientou-lhe: “Simão, embainha a tua espada”.

   Para aqueles que se dizem seguidores de Jesus é, no mínimo razoável, o esforço para transformar o Evangelho em livro da vida e pô-lo em prática. O Cristo é um libertador de consciências, ao lado dele, aprenderemos, todos os dias, o prazer de servir, a alegria de ter amigos, as bênçãos do amor, as luzes da humildade, a paz da mansidão, a recompensa íntima da brandura e o júbilo eterno de se pagar o mal com o bem.

Religião, ciência, espiritualidade e materialismo...

   Enquanto muitos gritam "meu Deus", Jesus – sem fundar religiões – nos ensinou o "Pai Nosso". Alheio à lei de solidariedade que rege todos os fenômenos da vida: dos seres microscópicos ao movimento das mais belas galáxias, o homem, até hoje, tenta entrincheirar Deus nos limites de um livro, de tribos e templos. Vivemos egoisticamente como se fôssemos privilegiados perante o Todo-Sábio. Adoramos ser "os eleitos", "os escolhidos", "os ungidos", mesmo, ainda preguiçosos, para carregar um brilho de amor no coração. Por agirmos assim, louvando a Deus dentro de construções de pedras, e ignorando-O nas ruas, temos "naufragado mil vezes". 

   Em nome do Cristo e de outros, já produzimos guerras, fome e doenças. Há gente empunhando armas, “a mando de Deus”, como se pudessem agradá-Lo, importunando a Sua magnífica obra. Daí, nas palavras indignadas de Charlie Chaplin "um homem que mata outro homem é um assassino, mas o que mata uma multidão é considerado herói". Deve ter algo de errado nisso, não na primeira oração, mas na segunda... Tem sempre uma massa chorando, e alguém vendendo lenço. O ódio, o preconceito e o desejo de vingança estão cercados de interesses escusos. Se a brutalidade social, financeira e política fosse ruim para todo mundo, o terror já teria acabado. Logo, é verossímil pensar que há gente se regozijando com o sofrimento alheio.

    O materialismo invadiu os sistemas econômico, educacional e também as religiões. A Humanidade, por acreditar, séculos e séculos, nele criou um modelo cruel de sociedade. A ciência e a religião se afastaram como se ambas fossem forças contrárias. Nos templos, surgiram fanáticos que para defender leituras fundamentalistas contrariam, até agora, as Leis da Natureza, alimentando mistificações; por outro lado, nos laboratórios, os cientistas, em vez de se reconhecerem como reveladores das leis naturais, intitularam-se, cheios de soberba, em filhos do “acaso” – o mesmo que manteve “o equilíbrio da nebulosa terrestre, destacada do núcleo do Sistema Solar, conferindo-lhe um conjunto de leis matemáticas, dentro das quais se iam manifestar todos os fenômenos inteligentes e harmônicos de sua vida, por milênios e milênios” (Emmanuel, em A Caminho da Luz). Ou seja, um efeito de incomensurável sabedoria produzido pelo “nada”.

    Os cientistas são, em verdade, “sacerdotes do Espírito”, mesmo à revelia, trabalham para o Criador. Obedecendo à Lei de Progresso, missionários da Física, da Astronomia, da Química, da Paleontologia e de tantas outras áreas encarnam no planeta a fim de contribuírem para a evolução do pensamento intelectual e da compreensão dos mecanismos que regem a vida orgânica. Mas, a ciência não tem a última palavra, ela avança conforme as suas possibilidades no tempo e no espaço. Nenhuma revelação vem antes da hora, porque sabem as inteligências diretoras do nosso orbe, que um foco de luz intenso pode cegar, ainda mais, as crianças espirituais que somos.

  Todavia, hoje já é possível perguntar aos que se intitulam materialistas: de que matéria você está falando? Como diz Emmanuel, “o materialismo se esvai por falta de matéria”. Niels Bohr, Max Planck, Heisenberg – patriarcas da Física Quântica – através de seus experimentos, observaram um átomo de hidrogênio com o seu núcleo e um elétron girando em torno dele. Viram, então, algo como uma bolinha de gude colocada no centro do gramado do Maracanã, representando o núcleo, e um grão de poeira na cadeira mais distante, sinalizando os movimentos do elétron. Desta forma, concluíram que existe mais espaço do que matéria "sólida".

    Neste cenário, no início do século XX, Einstein briga com a Física Quântica por rejeitar a Teoria do Éter ao considerá-la "mágica". Apesar das dissensões, ambas as correntes passam a trabalhar, mesmo a contragosto, em sistema de cooperação. Einstein, a seu turno, dá prosseguimento à descoberta de Maxwell e diz que luz é matéria, uma vez que, nela, identifica massa – corpúsculos que o gênio chamou de fótons. E as ondas eletromagnéticas? Bem, são responsáveis por conduzir esses corpúsculos. Muitos físicos clássicos se abismaram: como alguma coisa pode ser onda e matéria ao mesmo tempo? Fizeram uma experiência e comprovaram. 

  Vem, pois, Max Planck e diz, aprimorando o raciocínio de Einstein: “Se luz é matéria, matéria também é luz”; isto é, da mesma forma que ondas eletromagnéticas se comportam como matéria, átomos também se comportam como ondas. Einstein não aceitou.

   Niels Bohr fez, então, a seguinte experiência: preparou um anteparo e nele jogou elétrons. E, assim, pensou - "nos lugares onde houver buracos, os elétrons vão passar, onde não houver, eles vão bater e voltar". O que aconteceu? Todos passaram. O elétron se comportou como onda. Alguém, em seguida, teve a ideia de retirar o anteparo e fazer um elétron se chocar com outro. E aí, ele se comportou não mais como onda, e sim, como partícula. O elétron é matéria ou energia?
O elétron é, ao mesmo tempo, partícula e onda. A natureza dual da matéria. Quando se coloca um desafio de partícula, ele vira partícula; se é colocado um desafio de onda, ele vira onda. Mas, suponhamos que ninguém olhe ou imponha desafios ao elétron, o que aconteceria? Os cientistas intuíram que o comportamento do elétron dependeria da observação; ou seja, aquilo que era tido como absolutamente objetivo passou a depender do ponto de vista do observador. Quem vê interfere no objeto observado e pode ver, inclusive, aquilo que quiser. A Física Quântica chegava no "pedi e obtereis", "buscai e achareis", "batei e abrir-se-vos-á" ( Jesus).

   Einstein, depois, cria a equação basilar da Teoria da Relatividade: Energia=matéria. No plano material, pensava-se que a velocidade da luz era a mais rápida condutora de partículas, todavia, na realidade do átomo, a Teoria da Relatividade não funciona. Heisenberg descobre, adiante, que se tentasse medir a velocidade do elétron, ele não conseguiria saber onde o elétron está, e se tentasse saber onde o elétron está, ele não conseguiria saber a velocidade do mesmo. A trajetória do elétron é, até agora, indecifrável. Nasce, portanto, o Princípio da Incerteza. Einstein não aceita e, pela sua visão de um Deus do século XIX, diz que o Criador não joga dados com o universo e afirma que, se o Princípio da Incerteza estivesse certo, a informação seria transmitida milhões de vezes acima da velocidade da luz, contrariando a nossa ideia de espaço. Em verdade, a Teoria da Relatividade explicava a gravidade, mas não explicava nada sobre o átomo.

   Em 1982, tentam fazer o “emanharamento quântico” – unir dois elétrons. Quando um elétron gira para direita, o outro gira para esquerda. Se um muda a sua posição de giro, o outro muda também. Na trajetória, eles se encontram. Como um elétron fica sabendo da mudança do outro? A luz, por exemplo, demora algum tempo para chegar em Siriús, levando-se em conta sua trajetória e distância. O elétron não. Se estiver conectado com outro, qualquer mudança, aqui, repercute no outro em Siriús. Conexão que não respeita espaço. Na Física, recebeu o nome de "conexão não local", feita numa velocidade bilhões de vezes maior do que a da luz. Solidariedade é, portanto, uma lei da Física. Como Deus seria Onisciente e Onipresente se houvesse espaço para Ele? O Criador sempre chegaria atrasado – o que não é o caso.

   Como se vê, “lei divina e lei natural são a mesma coisa”. Estudar o Evangelho e os elementos da tabela periódica é o mesmo que estudar Deus. Estamos mergulhados no Fluído Cósmico Universal – a matéria-prima do pensamento divino, segundo André Luiz – e Nele vivemos e nos movemos, como peixes no oceano (Paulo de Tarso).

  Fica a pergunta: por que tanta intolerância se a solidariedade é um impulso da Natureza, e a matéria, transitória, já dá indícios da vida extrafísica?