Choramingando,
Amanda foi pedir “bênção” ao vovô que estava no toco. Com a toalha do pescoço,
ele enxugou, delicadamente, as marcas do dolorido pranto. A menina, ajoelhada,
abraçou a notável entidade e deixou transparecer a enorme mágoa, acumulada no
coração. Antes de qualquer palavra, o Velho utilizou a fumaça perfumada do seu
cachimbo como valiosa terapia magística, para acalmar os nervos à flor da pele.
Após o passe, a voz – que era trêmula –
ganhou certa firmeza e deu vida as primeiras palavras:
– Vovô, um irmão do terreiro me ofendeu, e a
pedrada foi tão brusca que parece ter aberto, em mim, uma ferida de morte. Ele
espalhou mentiras a meu respeito e, neste momento, todos olham, em minha direção,
com desconfiança.
–
Filha, disse o Velho. – O ato de julgar é cometido por Espíritos muito
infelizes. Sufocados pelos próprios melindres, eles atacam a fim de manter os
desavisados do caminho no mesmo patamar que o deles. Se você quiser, achará mil
razões para o revide. Mas, a partir do momento que reconhece a divindade de um Mestre,
o pupilo deve acompanhá-lo. Entre a sua visão limitada e a de Oxalá, fique com
a segunda, pois: “com a medida que medirdes, vos medirão
também”.
Para melhor exemplificar a lição, o Pai Velho estalou os dedos sobre a
cabeça da médium e lhe recomendou:
– Olhe, apontando para dois irmãos
do terreiro, devidamente, vestidos de branco. – O que você vê?
Amanda descreveu fisicamente as
pessoas. O Preto-Velho repetiu o gesto de sua mironga e reforçou o pedido.
Quando a menina observou, novamente, os dois companheiros, não soube explicar
exatamente o que via. Em verdade, deixara de enxergar, apenas, o corpo
material, ornamentado com belas contas e roupas impecáveis na higiene.
Bondoso, vovô organizou-lhe
as idéias:
– Agora, você também enxerga através dos olhos
da alma. Com permissão do Alto, ativei a vidência, peculiar a sua mediunidade.
Feito o devido esclarecimento,
Amanda descreveu, no que pôde, aspectos da aura de seus irmãos.
– Vejo,
na testa do primeiro, um ponto de belíssima luz; e ao redor do outro, noto
algumas sombras.
– Qual a posição que esses dois homens ocupam na Casa?, perquiriu a
entidade.
– Pelo que sei o primeiro está aqui há anos e
participa da maioria dos trabalhos, e o segundo chegou faz pouco tempo.
– Isso, minha filha - sintetizou o Guia, - comprova que há diferentes
graus de espiritualidade. A sombra e a luz demonstram o estágio de cada
Espírito observado. O religioso não deve acumular horas dentro dos centros,
como se a Umbanda fosse um curso que oferece diploma. Às vezes, a presença é
enorme, e o aprendizado, minúsculo. Acredita em Deus, pois nenhum homem, na Terra,
pode frear a sua escalada divina. O irmão que lhe calunia também carrega muita
escuridão. Mesmo a distância, cuide das feridas dele e siga o trajeto do vôo
que você tem direito. Para alma doente, acostumada a ferir, não existe nada
superior do que o curativo de uma vítima.