segunda-feira, 29 de junho de 2015

Um gesto de humildade

    Uma vida devotada à caridade. Desde criança, o brilho de uma luz rutilante nos olhos e a companhia inseparável do Evangelho, que Emmanuel, em sublimada inspiração, classificou como “o Sol da imortalidade”. Amável, Lurdinha carreava amizades por todos os cantos aonde ia. Tinha sempre, em mãos, algo de bom para oferecer. Até mesmo os famintos vira-latas das ruas a procuravam, pois além do faro apurado, possuíam o sentimento de que uma ajuda lhes seria ofertada. É fato que doses abundantes de amor transbordavam das comportas daquele coração.
  Conforme a consciência se aprimorava no labor da solidariedade, a encantadora criança ampliava o campo de sua atuação, amparada por benfazejas entidades. Hospitais, asilos, orfanatos, leprosários... Com estimado zelo, ela frequentava todos, valendo-se do amor de que se nutria. Dona de uma saúde de ferro, a menina virou moça e, nas lides da abnegação ao próximo, construiu a índole de uma mulher de fibra, sem perder a sensibilidade.
   Criou filhos. Dedicou-se ao marido. Enfrentou o trabalho pela remuneração honesta. Esteve na academia para conquistar o diploma de doutora, em medicina. Uma guerreira! Sem armas, contendas ou tom de voz elevado. Vivia para o bem. Até mesmo as línguas maledicentes curvavam-se diante do exemplo irrepreensível. Certa vez, no plantão de um hospital público, um paciente irritadiço a ofendeu com duras palavras em virtude da precariedade do ambulatório; e ela, carinhosamente, chamou-o de “meu irmão” e pôs-se a fazer o curativo em sua perna ferida, aliviando-lhe a dor, na ausência da enfermeira.
   Quando a aposentadoria bateu à porta, sinalizando que era chegada a hora de parar, Lurdinha continuou o serviço fraterno nas zonas periféricas de sua cidade. Eram 70 anos vividos. Sem pausa. De sua alma jorravam luzes esmeraldinas, translúcidas, de fulgor intraduzível. Doando, como dedicada médium de cura, ela hauria paz de espírito, junto à Divina Bondade.
  Nas reuniões do centro espírita, sentava-se sempre ao lado dos principiantes para encorajá-los na lavoura extensa do Consolador Prometido. Apesar da extraordinária articulação, dava palestras em tom ameno, utilizando-se de palavras comuns à vida da maioria para que as ideias evangélicas, essas, sim, pudessem cintilar.
   Lurdinha, de fato, vivera, na intimidade, sem problemas, embora cercada por muitos deles, no contato com a realidade dos semelhantes. Seu código de ética era o cuidado. E por cuidar, dedicava o que tinha de melhor. Não fazia nada às pressas, ainda mais quando o assunto era uma alma irmã. E as dificuldades do percurso iam desistindo. Nem a morte – que, muitas vezes, viu bater à porta ao lado – derrubava-a. De ouvidos atentos às trombetas do Céu, sabia que nada era fatal.
  Como essa convicção a ajudaria! Numa manhã de segunda-feira, a querida senhora não levantou da cama. Sentiu-se indisposta. Algo raro. E os filhos logo se espantaram. Não tinham recordações nem de resfriados da mãe. Apesar do pequeno espanto, todos consideraram a ocasião de uma ‘primeira vez’. Lurdinha passou o dia acamada. Chegou à noite; então, sentiu-se pior. Apresentava alguma estranhes no comportamento e, na face, trazia um semblante de exaustão. Acharam, por bem, que deveriam levá-la ao médico. E assim fizeram.
   Diante do quadro, ocorreu a internação. Lurdinha passara muito mal. Os velhos amigos da belíssima profissão atenderam-na com gigantesco carinho, as enfermeiras cercaram-na de atenção, e os pacientes, ao saberem da notícia, ficaram preocupados, cheios de vontade de vê-la. Houve até quem chorasse. Naquela cama hospitalar, estava adoentada a mãe ‘do coração’ de cada um. A dor, sem dúvidas, era mais profunda. Falava à alma.
     O melhor a se fazer era esperar. Enquanto isso, os corredores do hospital transformaram-se num ambiente de preces. Muitos deram às mãos. Outros se recolheram a fim de orar em silêncio. O clima comum dos dias ganhou matiz especial. Familiares, ali, há tempos à espera de seus doentes em recuperação, ganharam ânimo novo com a beleza espiritual que se acercara de um lugar, onde nenhum homem gostaria de estar. Foi bonito de se ver. A fraternidade tornara-se, por instantes, modelo para os aflitos. A vida enfadonha tomou contornos de leveza. Melancólicos contumazes recordaram que tinham fé e entregaram-se a vontade de Deus, suplicando-O a cura, se esta fosse de seu merecimento.
    Quinze dias foram percorridos. Dona Lurdinha entrara em coma, sem que os médicos pudessem diagnosticar, com precisão, a causa do acontecido. Os filhos se desesperaram. “Por quê?”, questionou o mais velho. “Justo com ela, que só havia feito o bem?”, indagou o caçula. O sofrimento uniu ambos e, em condoído pranto, abraçaram-se. Com o desespero, veio também o inconformismo. Algumas pessoas que viveram, de perto, a missão humanitária de D. Lurdinha tentaram acalmar aqueles dois jovens, cujo desespero fê-los imaginar-se à beira do luto.
    Em breve, o fato se espalhou. Na casa espírita, as vozes, mais antigas, sublinhavam a explicação: “são consequências de outras vidas”. Consciências, não tão resignadas, desacreditavam a assertiva. Repetiam a inesquecível frase de Kardec, “fora da caridade não há salvação”. E, por enfatizarem o exercício que põe o amor em movimento, julgavam-se na condição de penetrar os desígnios de Deus e afirmavam: “com tanto serviço ao próximo, ela não merecia tamanha agonia”.
Porém, o desencarne esperado não aconteceu naquele tempo. D. Lurdinha ‘dormiu’ por 10 anos. Retornou à pátria espiritual aos 80. O período, de aparente ‘invalidez,’ despertou cuidados amplos, de muita gente. Inclusive dos filhos que – por terem a mãe sempre prestativa – esqueceram-se do dever de servi-la, mesmo nos dias de visível cansaço. Brotaram, assim, mãos operosas, lábios dulcíssimos, corações amigos, pensamentos irmãos e carícias de luz. D. Lurdinha foi visitada todos os dias. Jamais passou uma madrugada sozinha. À cabeceira de seu leito, foram dispostas imagens de santos, folhetos de orações, terços, água fluidificada para lhe umedecer os lábios, Bíblias abertas nas páginas do Velho Testamento, galinhos de arruda... Tudo arrumadinho. Uma comunhão de crenças. Laços de fé. Em coma, ela conseguira reunir corações que, de tão enternecidos, ignoraram as diferenças religiosas.
   Quando a perplexidade já se convertera em alegria, uma carta do mundo espiritual chegou ao centro espírita, e a todos inundou de lágrimas. Pôde-se ver em cada olhar um choro bem sentido, daqueles que partem de atmosferas antes insondáveis da alma e veem revelar a Bondade que vai além das nossas forças.
   Por acréscimo de misericórdia, o manuscrito dizia assim:
     Irmãos, cheios de júbilos, recebemos, neste lado da vida, a nossa querida Lurdinha, meiga e doce, como sempre. A saudade é enorme, eu bem sei. Mas, pelo que vi de perto, vocês aprenderam a não se lastimar. Amaram muito sem pedir explicações. Creram em Deus. Entregaram-se a Piedade d’Ele. Lurdinha está aqui e pede para lhes dizer ‘um muito obrigada!’. Porque além da caridade, ela aprendeu outra palavra no alfabeto divino: humildade. Todos precisam de ajuda. A mão que se estende para soerguer é caridosa, e aquela que aceita é humilde. Lurdinha precisava experimentar a compaixão, a solidariedade e, até mesmo, o olhar de pena das pessoas. Ela que tanto doou, caricia de receber, pôr-se na condição do necessitado... Amados, saibam que caridade e humildade se unem no mesmo rio da vida. A mão operosa, de sempre, descansou, na doença do corpo, para que o coração, mais atento, pudesse contemplar a paisagem e recolher luzes nas Esferas do Infinito. 
                                                                                                            

domingo, 28 de junho de 2015

Quem sustenta as bases da vida?

    O nosso pensamento destreinado ainda nos leva a crer que são os políticos e uma casta reduzida de empresários que sustentam as bases deste país com suas decisões, muitas vezes, arbitrárias e desumanas. Sinceramente, é chegada a hora de trabalharmos o olhar, porque o problema ou a solução não se encontram na paisagem, mas nos olhos de quem a contempla. Se a sociedade fosse, tão-somente, guiada pelo raciocínio mercantilista, pragmático e cruel de uma gente, bem estranha, que “governa” o Brasil, já teríamos ido à falência econômica e moral. Em verdade, esta nação – nos painéis do tempo – foi construída pela “flor amorosa de três raças tristes” (Olavo Bilac) e graças a tal composição, surgiu um povo abnegado, trabalhador e caridoso. Quem tiver a oportunidade volte o olhar para o mundo a nossa volta. Há mulheres e homens (de coração maternal) que levam este país à frente através das fibras do sentimento. Se não fossem esses cooperadores anônimos, não haveria morfina que desse jeito nos gemidos dentro dos quartos de hospital; inexistentes seriam os sorrisos nos asilos; raras as brincadeiras, seguidas de alegria, nos institutos que tratam de doenças infantis; erradicada estaria a esperança dos órfãos nas filas de doação; emudecido seria o pranto dos depressivos nas fileiras religiosas e também a dor imensurável das mães que viram seus filhos partirem antes.
    Os triunfadores, com as mãos sujas de sangue e os bolsos contaminados pelo dinheiro da corrupção, encontram-se na sarjeta da grande escola da Humanidade, enquanto essas almas generosas, apesar de não serem aplaudidas e ovacionadas, caminham na vanguarda da vida, tendo como norte as mais nobres emoções.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Com os olhos imortais...

Reflita sobre o mal aparente que entra em sua vida. Desabafa se preciso for, todavia contenha as mãos ávidas pela ação do revide. Medita na Lei de Reencarnação. O coração machucado de hoje, comumente, é o carrasco de existências pretéritas. Vítimas e algozes trocam de posição incessantemente a cada nova oportunidade de redenção. Tornam-se, em verdade, parceiros de infortúnios, que cobram dívidas um do outro, sem observarem o tamanho de seus extensos débitos. Ninguém entra em nosso campo espiritual por acaso. As esferas evolutivas estão muito bem demarcadas pela inteligência Suprema. Se o ímpeto que lhe ataca é o da vingança, creia um tanto mais no amor. Recorra ao perdão, não 7 vezes como pensava o apóstolo Pedro, mas “70 vezes 7”, conforme recomendou Jesus. A Justiça Divina não age para humilhar; nela, o agressor encontra trabalho regenerador de suas próprias obras, e o agredido, condições a fim de se sublimar através da renúncia ao orgulho. A dor dilata as potências da alma. O martírio é mecanismo santo dos desígnios de Deus. Abençoa, pois, o verbo que lhe machuca. Em tudo, dê graças ao Senhor. No mundo, o que os nossos olhos vêem está morrendo ou já morreu. Construa por dentro. Faça jus à imortalidade. Redobre seu esforço em preces. Rogue ao Pai que lhe amplie a capacidade de ver. Não por intermédio da carne, mas inspirado pelas claridades do Espírito. O Paraíso não é um lugar fixo. Ele se desdobra onde os seres iluminados estão de passagem. O problema não está naquilo que se vê, e sim, nos olhos de quem vê. O Céu encontra-se no olhar.

Nós podemos muito

Muitos religiosos do mundo dizem crer, porém vivem como ateus. Acham que Deus nos fez imortais em Espírito e Verdade e, depois, tirou férias. Irrefletidamente, desesperam-se por automatismo, sem anotarem a influência dos vícios que se tornam hábitos. Saibam, pois, meus irmãos, que as dores muito me têm ensinado. Ciente de minhas enormes carências, agradeço aos Céus cada dificuldade vivida. Sem elas, eu teria andado pouco, quase nada. Sejam bons com vocês mesmos. Culpem-se menos. O Criador não governa os mundos do Infinito como se fosse um agiota cruel que cobra juros com correção monetária. A Justiça Divina também não é um sistema bancário. A inteligência Suprema do universo não precisa fazer contas. Se você errou ontem, repara agora ou espere momento oportuno. A hora certa virá. Repita com Simão Pedro, o humilde apóstolo, as palavras de Jesus: "o amor cobre uma multidão de pecados". Permita que as Esferas luminosas ajam em sua vida. Filho de Deus não fica órfão.Arruma, com a misericórdia do Senhor, o seu "templo interno abandonado". De mansinho, ouça a voz da Caridade falar aos seus ouvidos. As angústias que lhe cercam são tormentas passageiras. O poder delas é relativo. Só o Todo-Poderoso é absoluto. Una-se, então, a Ele. E não tente enquadrá-Lo nos seus pensamentos, porque o Eterno Amor encontra-se sempre além, apenas, sinta-O nas batidas serenas do seu coração. Você tem um Pai, que lhe procura apaixonadamente, como "fogo consumidor", enviando sinais de todos os lados. Desperta! Vem para vida, porque o Reino Divino, sem a sua presença, não estará completo. O Cristo precisa de trabalhadores. Não é necessário fazer muito. Comece tão-somente. Enxugue, se puder, a primeira lágrima que rolar a sua frente. E se essa lágrima for a sua, seja caridoso consigo mesmo.

Uma carta para você:

Um dia, perguntaram ao poeta Guimarães Rosa o que era misericórdia, e ele, com notável sensibilidade artística, respondeu assim: "é o mesmo que pôr o coração nas misérias do próximo". Neste instante, não posso dimensionar o tamanho de sua dor, porque o sofrimento, em questão, angustia o seu peito, e não o meu. O que, para mim, pode parecer pouco; aos seus olhos, apresenta-se como imensa tempestade. E o mesmo ocorre no contrário. Certamente, há obstáculos na minha estrada evolutiva que você já superou. Cada Espírito traz consigo uma história única e inimitável. A mensagem que lhe trago, hoje, é, sobretudo, de esperança e misericórdia, pois embora eu não dimensione a sua dor, o meu coração aprendeu a estar do seu lado.
Quando somos assediados pelas armadilhas das sombras, o primeiro passo, na estratégia da obsessão, é dado no sentido de enfraquecer a nossa fé e de cortar a sintonia da alma encarnada com as entidades que trabalham a serviço do Cristo. Em todos os âmbitos, através de sugestões e experiências vividas, o mal nos diz, minando nossas forças, que Jesus não é "o Caminho, a Verdade e a Vida". Hoje, numa palestra, no Centro Espírita André Luiz, enxerguei, claramente, este cenário na tela do meu coração. Saiba, minha irmã, que as vozes sublimes do mundo espiritual continuam a nos confirmar: não existe mal, neste mundo, que o Mestre dos mestres não conheça o remédio.
Há poucos dias, um homem, muito educado, ao me ouvir desabafar, recomendou-me: “Não pergunte mais o porquê das provas e expiações, mas para quê?” A causa nos será revelado no tempo oportuno; no entanto, o ponto principal do problema encontra-se em sua finalidade providencial. Nenhuma criatura sofre na Terra sem o conhecimento de Deus. Ele é a inteligência diretora da vida. Força alguma, nas atividades do medo, pode mais, por exemplo, do que um preto-velho. No Espaço, alça voos maiores aqueles que amam. Os Espíritos do Senhor, “como estrelas cadentes”, chegam à atmosfera do planeta e chamam as almas, em aflição, para leira do amor, o campo divino onde construiremos a obra de Deus em nós mesmos.
Confia, então, uma pouco mais. Você não está sozinha. Nada é 100% ruim. Se fosse, Deus não permitiria que enfrentássemos certas dificuldades.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

" Se eu tivesse 1 milhão de reais..."

    Era aquela a décima consulta com o psicanalista. Jorge estava agitado. Tinha muitas dívidas. Atento à angústia do paciente, o médico lhe disse: – Não sofra por antecipação. Você trabalha e tem condições de pagar o que deve.
   Ao ouvir a recomendação sensata, ele coçou a cabeça, afrouxou a gravata e, em sintomática crise de ansiedade, revelou o grande sonho de sua vida: – Sabe, doutor, se eu tivesse, neste momento, 1 milhão de reais, nunca mais teria problemas. 
    Dr. Rafael refletiu sobre a declaração e, fraternalmente, trouxe à baila casos elucidativos:
– Meu caro, se você quiser, posso lhe apresentar uma lista de, pelo menos, 20 pacientes meus que possuem fortunas muito superiores à citada. São pessoas que podem frequentar os melhores restaurantes do mundo, contudo não têm mais a alegria de saborear um prato.

  – Gente que tem condições de comprar roupas de grifes internacionais, todavia não possuem, há tempos, o prazer de se vestir.

– Empresários que vivem em mansões, porém não conseguem construir um lar.

– Magnatas que viajam o mundo, mas perderam a capacidade de observar a vida.

– Seres humanos que têm filhos, entretanto já não sabem o valor de um abraço. 

      O homem calou-se por dentro. A narrativa terapêutica silenciou os ruídos íntimos que o desesperavam. Ele, sem palavras, agradeceu com o olhar e refez os próprios sonhos no desenrolar de 1 segundo – isto mesmo: 1 segundo de reflexão deu-lhe o discernimento que todo o dinheiro conquistado já mais foi capaz de lhe dar. 
    Jorge foi para casa, vestiu a roupa mais simples de seu armário; viu-se bonito à frente do espelho; sentou-se à mesa; saboreou como nunca o tempero da mulher; sentiu no peito a felicidade de ter uma família; abraçou, demoradamente, os filhos, dizendo: “eu amo vocês” e, na companhia de todos, foi passear na praça a fim de contemplar o céu estrelado e, na paisagem celeste, encontrar, em si mesmo, o Criador na obra da criação.

O amor do amor se nutre

     Certa mulher aproximou-se de uma alma muita caridosa que doava alimentos e palavras de conforto nas periferias de Minas Gerais. Triste, com o seu casamento quase esfacelado, ela abriu a boca para revelar as angústias do coração. Em palavras desencontradas, queixou-se de tudo – do esposo, dos filhos e também da vida. Muito atento, o querido amigo tocou-lhe as mãos, com acentuado movimento de ternura, e falou mansamente:
   – Minha irmã, aprenda a nutrir-se do amor com que você ama a Deus e os seus semelhantes. É o amor que cultivamos, em nós mesmos, que nos sustenta. Através dele, dilatamos as nossas potencialidades divinas e tornamo-nos, na Terra, veículos do sentimento da Eterna Bondade. Agora, se o homem espera receber para doar, torna-se, em verdade, um pedinte espiritual e corre grandes riscos de passar sede e fome no terreno das mais puras emoções. Há alguns anos, eu, particularmente, sofria demais com a indiferença alheia e as injustiças do mundo; hoje, porém, aprendi a suportar as dores do caminho sem murmurar. Percebi que, enquanto me dirigia aos Céus com o meu quinhão de lágrimas, a espiritualidade superior, ao passo que me trazia o lenço da consolação, suplicava por mãos generosas em que pudessem depositar a confiança do trabalho na seara do bem.
O silêncio meditativo, então, como terapêutica das inteligências do invisível, permitiu que as doces arguições do simples orador penetrasse a “cripta secreta do coração” daquela mulher, antes aturdida no báratro das inquietações familiares. Percebendo a ação benfazeja do seu verbo de amor, o homem retornou ao serviço de cooperação e ouviu ressoar na acústica da alma o pedido enobrecedor: – Como faço para ajudá-lo nesta atividade de amparo ao próximo?

A necessidade da exemplificação

   Há algumas décadas, surgiu na América um guru que incentivava os seus discípulos à pratica do suicídio como forma de alcançar o “paraíso”. Fora de si, essas pessoas “orientadas” seguiram a cartilha de seu guia e modelo: desistiram, então, da experiência terrena, retornando ao mundo espiritual na posição de suicidas. Após a catarse, certos curiosos, perplexos, perguntaram ao “religioso” o motivo dele não fazer o mesmo, a reposta foi sintética: – Alguém precisa ficar aqui (na Terra) para orientar. Esse caso é extremo, porém serve como referência à análise.

    É fundamental ter muito cuidado com esses falsos líderes que se arvoram em representantes de Deus, ministros da fé e, no intuito de dar validade à ideias doentias, violentam consciências, insufladas por fantasias, incompatíveis com a infinita bondade do Senhor.

   A vida é cheia de turbulências, e diversos sacerdotes (em grande parte das religiões!) reconhecem esse cenário de dor e aproveitam-se do sofrimento alheio para obter vantagens, fazer promessas injustificáveis e disseminar o medo. No século XXI, não deveríamos mais cair em tais armadilhas. Independente da religião particular de cada um, os homens já possuem suficiente repositório de informações espirituais para guiá-los no caminho do bem.

   Com a experiência da cruz, o Cristo – no templo da Natureza, em meio aos necessitados de toda ordem – ensinou à Humanidade que, nas derrotas da vida, encontram-se as lições mais preciosas para o Espírito imortal. Vezes múltiplas, consideramo-nos fracassados, mas espiritualmente estamos ganhando, construindo “por dentro”. Nisto, reside o processo de educação do sentimento – o maior patrimônio da alma.

   Por hábito, temos nos acostumado com líderes religiosos que mandam fazer e apontam o dedo em certa direção, contudo se observarmos a vida deles, veremos o caos: são personalidades que pregam uma coisa, e vivem outra. Num exame, com carinho e certa dose de razão, concluiríamos, prudentemente, em seguida: “eu não quero tanta hipocrisia, angústia, conflitos e inimigos para mim. Chega de tomar tóxico intelectual como se fosse mel”.

   Sem dogmatismo, ao olharmos o exemplo de Jesus, veremos que ele jamais mandou ninguém fazer nada, antes de ir à frente para mostrar o caminho. No Monte das Oliveiras, quando Pedro empunhou a arma para defendê-lo, cortando, assim, a orelha do soldado romano, o Divino Amigo orientou-lhe: “Simão, embainha a tua espada”.

   Para aqueles que se dizem seguidores de Jesus é, no mínimo razoável, o esforço para transformar o Evangelho em livro da vida e pô-lo em prática. O Cristo é um libertador de consciências, ao lado dele, aprenderemos, todos os dias, o prazer de servir, a alegria de ter amigos, as bênçãos do amor, as luzes da humildade, a paz da mansidão, a recompensa íntima da brandura e o júbilo eterno de se pagar o mal com o bem.

Religião, ciência, espiritualidade e materialismo...

   Enquanto muitos gritam "meu Deus", Jesus – sem fundar religiões – nos ensinou o "Pai Nosso". Alheio à lei de solidariedade que rege todos os fenômenos da vida: dos seres microscópicos ao movimento das mais belas galáxias, o homem, até hoje, tenta entrincheirar Deus nos limites de um livro, de tribos e templos. Vivemos egoisticamente como se fôssemos privilegiados perante o Todo-Sábio. Adoramos ser "os eleitos", "os escolhidos", "os ungidos", mesmo, ainda preguiçosos, para carregar um brilho de amor no coração. Por agirmos assim, louvando a Deus dentro de construções de pedras, e ignorando-O nas ruas, temos "naufragado mil vezes". 

   Em nome do Cristo e de outros, já produzimos guerras, fome e doenças. Há gente empunhando armas, “a mando de Deus”, como se pudessem agradá-Lo, importunando a Sua magnífica obra. Daí, nas palavras indignadas de Charlie Chaplin "um homem que mata outro homem é um assassino, mas o que mata uma multidão é considerado herói". Deve ter algo de errado nisso, não na primeira oração, mas na segunda... Tem sempre uma massa chorando, e alguém vendendo lenço. O ódio, o preconceito e o desejo de vingança estão cercados de interesses escusos. Se a brutalidade social, financeira e política fosse ruim para todo mundo, o terror já teria acabado. Logo, é verossímil pensar que há gente se regozijando com o sofrimento alheio.

    O materialismo invadiu os sistemas econômico, educacional e também as religiões. A Humanidade, por acreditar, séculos e séculos, nele criou um modelo cruel de sociedade. A ciência e a religião se afastaram como se ambas fossem forças contrárias. Nos templos, surgiram fanáticos que para defender leituras fundamentalistas contrariam, até agora, as Leis da Natureza, alimentando mistificações; por outro lado, nos laboratórios, os cientistas, em vez de se reconhecerem como reveladores das leis naturais, intitularam-se, cheios de soberba, em filhos do “acaso” – o mesmo que manteve “o equilíbrio da nebulosa terrestre, destacada do núcleo do Sistema Solar, conferindo-lhe um conjunto de leis matemáticas, dentro das quais se iam manifestar todos os fenômenos inteligentes e harmônicos de sua vida, por milênios e milênios” (Emmanuel, em A Caminho da Luz). Ou seja, um efeito de incomensurável sabedoria produzido pelo “nada”.

    Os cientistas são, em verdade, “sacerdotes do Espírito”, mesmo à revelia, trabalham para o Criador. Obedecendo à Lei de Progresso, missionários da Física, da Astronomia, da Química, da Paleontologia e de tantas outras áreas encarnam no planeta a fim de contribuírem para a evolução do pensamento intelectual e da compreensão dos mecanismos que regem a vida orgânica. Mas, a ciência não tem a última palavra, ela avança conforme as suas possibilidades no tempo e no espaço. Nenhuma revelação vem antes da hora, porque sabem as inteligências diretoras do nosso orbe, que um foco de luz intenso pode cegar, ainda mais, as crianças espirituais que somos.

  Todavia, hoje já é possível perguntar aos que se intitulam materialistas: de que matéria você está falando? Como diz Emmanuel, “o materialismo se esvai por falta de matéria”. Niels Bohr, Max Planck, Heisenberg – patriarcas da Física Quântica – através de seus experimentos, observaram um átomo de hidrogênio com o seu núcleo e um elétron girando em torno dele. Viram, então, algo como uma bolinha de gude colocada no centro do gramado do Maracanã, representando o núcleo, e um grão de poeira na cadeira mais distante, sinalizando os movimentos do elétron. Desta forma, concluíram que existe mais espaço do que matéria "sólida".

    Neste cenário, no início do século XX, Einstein briga com a Física Quântica por rejeitar a Teoria do Éter ao considerá-la "mágica". Apesar das dissensões, ambas as correntes passam a trabalhar, mesmo a contragosto, em sistema de cooperação. Einstein, a seu turno, dá prosseguimento à descoberta de Maxwell e diz que luz é matéria, uma vez que, nela, identifica massa – corpúsculos que o gênio chamou de fótons. E as ondas eletromagnéticas? Bem, são responsáveis por conduzir esses corpúsculos. Muitos físicos clássicos se abismaram: como alguma coisa pode ser onda e matéria ao mesmo tempo? Fizeram uma experiência e comprovaram. 

  Vem, pois, Max Planck e diz, aprimorando o raciocínio de Einstein: “Se luz é matéria, matéria também é luz”; isto é, da mesma forma que ondas eletromagnéticas se comportam como matéria, átomos também se comportam como ondas. Einstein não aceitou.

   Niels Bohr fez, então, a seguinte experiência: preparou um anteparo e nele jogou elétrons. E, assim, pensou - "nos lugares onde houver buracos, os elétrons vão passar, onde não houver, eles vão bater e voltar". O que aconteceu? Todos passaram. O elétron se comportou como onda. Alguém, em seguida, teve a ideia de retirar o anteparo e fazer um elétron se chocar com outro. E aí, ele se comportou não mais como onda, e sim, como partícula. O elétron é matéria ou energia?
O elétron é, ao mesmo tempo, partícula e onda. A natureza dual da matéria. Quando se coloca um desafio de partícula, ele vira partícula; se é colocado um desafio de onda, ele vira onda. Mas, suponhamos que ninguém olhe ou imponha desafios ao elétron, o que aconteceria? Os cientistas intuíram que o comportamento do elétron dependeria da observação; ou seja, aquilo que era tido como absolutamente objetivo passou a depender do ponto de vista do observador. Quem vê interfere no objeto observado e pode ver, inclusive, aquilo que quiser. A Física Quântica chegava no "pedi e obtereis", "buscai e achareis", "batei e abrir-se-vos-á" ( Jesus).

   Einstein, depois, cria a equação basilar da Teoria da Relatividade: Energia=matéria. No plano material, pensava-se que a velocidade da luz era a mais rápida condutora de partículas, todavia, na realidade do átomo, a Teoria da Relatividade não funciona. Heisenberg descobre, adiante, que se tentasse medir a velocidade do elétron, ele não conseguiria saber onde o elétron está, e se tentasse saber onde o elétron está, ele não conseguiria saber a velocidade do mesmo. A trajetória do elétron é, até agora, indecifrável. Nasce, portanto, o Princípio da Incerteza. Einstein não aceita e, pela sua visão de um Deus do século XIX, diz que o Criador não joga dados com o universo e afirma que, se o Princípio da Incerteza estivesse certo, a informação seria transmitida milhões de vezes acima da velocidade da luz, contrariando a nossa ideia de espaço. Em verdade, a Teoria da Relatividade explicava a gravidade, mas não explicava nada sobre o átomo.

   Em 1982, tentam fazer o “emanharamento quântico” – unir dois elétrons. Quando um elétron gira para direita, o outro gira para esquerda. Se um muda a sua posição de giro, o outro muda também. Na trajetória, eles se encontram. Como um elétron fica sabendo da mudança do outro? A luz, por exemplo, demora algum tempo para chegar em Siriús, levando-se em conta sua trajetória e distância. O elétron não. Se estiver conectado com outro, qualquer mudança, aqui, repercute no outro em Siriús. Conexão que não respeita espaço. Na Física, recebeu o nome de "conexão não local", feita numa velocidade bilhões de vezes maior do que a da luz. Solidariedade é, portanto, uma lei da Física. Como Deus seria Onisciente e Onipresente se houvesse espaço para Ele? O Criador sempre chegaria atrasado – o que não é o caso.

   Como se vê, “lei divina e lei natural são a mesma coisa”. Estudar o Evangelho e os elementos da tabela periódica é o mesmo que estudar Deus. Estamos mergulhados no Fluído Cósmico Universal – a matéria-prima do pensamento divino, segundo André Luiz – e Nele vivemos e nos movemos, como peixes no oceano (Paulo de Tarso).

  Fica a pergunta: por que tanta intolerância se a solidariedade é um impulso da Natureza, e a matéria, transitória, já dá indícios da vida extrafísica?