segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Um coração que ama

“Assim que comeram, Jesus diz a Simão Pedro: Simão, [filho de] João, tu me amas?” (João 21:15).

   A pergunta é emblemática. O Mestre poderia indagar ao discípulo quanto às suas mais eminentes virtudes intelectuais. Entretanto, assim não procedeu. Porque se fosse esta a intenção – reunir cérebros brilhantes segundo os preceitos do mundo – o Cristo teria formado o círculo íntimo dos seus apóstolos com os doutores do Sinédrio ou os catedráticos das universidades de Tarso e Alexandria. Em verdade, sabia Jesus que o Reino de Deus é a obra divina no coração dos homens. À época, Jerusalém estava impregnada pelo fermento farisaico. O povo perdia-se nas cerimônias exteriores dos templos luxuosos em intermináveis rituais de adoração. Israel afastava-se, cada vez mais, da pureza espiritual dos ensinamentos trazidos ao planeta pela sensibilidade dos profetas. Os sacerdotes inventavam lugares santos, ignorando que toda Terra é altar sagrado de Deus. Enquanto, o dogmatismo, o falso raciocínio da superioridade de raça e as interpretações fundamentalistas dos Escritos Divinos não conseguiam extrair o espírito da letra e nem separar o joio do trigo. Prova desse cenário é a indagação do Cristo a Nicodemos, quando lhe falara da necessidade de “nascer de novo” para ver o Reino de Deus: “Tu és Mestre de Israel e não sabes estas coisas?” (João 3:10).
Além dos desvios morais do povo escolhido para erguer a fé universal no Deus único e na sua Lei de Amor (vide os dois mandamentos inaugurais do Decálogo), o orbe terrestre era dominado pelos anseios imperialistas de Roma, que naufragava, retumbante, na missão que lhe fora dada de encurtar as fronteiras nacionais a fim de semear o espírito de fraternidade entre as nações. Na aurora dos dias primevos da Era Cristã, outra pátria também se encastelava nas obras arquitetônicas erguidas graças à inteligência maravilhosa dos seus sábios. Da suntuosidade do Areópago ao palco de espetáculos do anfiteatro, passando pelo monumento de beleza do Pathernon, a Grécia respirava os ares das filosofias negativistas e contentava-se com os mitos de seus deuses antropomórficos e humanoides.
Desta forma, religiosos, cientistas e filósofos – apegados às conquistas transitórias – alimentavam o sonho de um eldorado materialista sem compaixão, amor e caridade. Mal sabiam eles que as construções, puramente humanas, não resistem ao imperativo do tempo. A seu turno, cada civilização contribui, de algum modo, para o progresso da Humanidade. No entanto, nada é capaz de livrá-las das Leis da Natureza do mundo corpóreo. A matéria se transforma. Os séculos varrem castelos, catedrais, arenas e impérios, levando-os ao pó da terra. Por conhecer as verdades presentes nas mais distantes estrelas, Jesus reuniu homens simples, afastados das pomposas atividades do pensamento, porém mansos de coração, e deu a essas almas devotadas, cheias de vigorosos ideais de renúncia, o encargo de levar o Evangelho aos aflitos esquecidos pelos governos sociais. Assim, não mais o “Senhor dos Exércitos”, sedento de guerras fratricidas, e sim o Pai que ama os Seus filhos e é capaz de buscá-los, eivado de misericórdia, como narra o Rabi da Galileia, em linguagem simbólica, na Parábola do Filho Pródigo. Com Jesus, o temor a Deus, símbolo da fé rústica, é substituído pela manjedoura do amor. A Boa Nova, necessária frente aos velhos conceitos religiosos, vinha trazer notícias auspiciosas do Mundo Maior.
   Então...
    ... Pergunta o Emissário Celeste:
“Simão, [filho de] João, tu me amas?” Ele lhe diz: Sim Senhor, tu sabes que te amo. Jesus diz a ele: apascenta as minhas ovelhas. (João 21:15).
O Cristo ensinou a todos nós o valor de se combater o erro, mas amar, sem limites, aqueles que erram; deixou claro que não há sentido em mergulhar no amor de Deus, se as criaturas não canalizá-lo para o seu semelhante; provou que o verdadeiro pastor tem cheiro de ovelha e recusa-se a ficar, isolado, em cima de um púlpito, assoviando lições não vividas e mostrou que quem não ama só enxerga defeitos, porque se limita ao presente; enquanto, a alma que ama vê qualidades e enxerga potenciais, haja vista que acredita na capacidade imanente do ser humano de evoluir. Dentre infindáveis lições, o Mestre também mudou a relação do religioso com as liturgias dos templos, ao dizer: “entra no teu aposento e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto” (Mateus 6:6).

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