terça-feira, 1 de setembro de 2015

As três revelações divinas


O homem comete muitos erros por julgar temas amplos, valendo-se, tão-somente, do superficial. O adepto, verdadeiramente, convertido ao Cristianismo, não pode ignorar o trabalho hercúleo de Moisés no seio do judaísmo. Citar a Lei de Talião[1], como se ela resumisse o espírito do trabalho mosaico, é um grande equívoco histórico e, sobretudo, espiritual. A revelação, obtida nas rochas do Sinai, foi inaugurada pelos artigos pétreos do amor. Se a população hebraica ignorou o chamado divino e preferiu se vestir de parafernálias teológicas, o enviado de Capela[2] não deve ser responsabilizado, porque os dois primeiros mandamentos celestes já estavam à disposição dos corações humanos. Prova marcante dessa essência encontrasse, até hoje, nas odes inspiradas dos profetas do Velho Testamento. "Um pequenino se acha nascido para nós, e um filho foi dado a nós, e o nome que se apelidará será Deus Forte, Pai do futuro século, Príncipe da Paz. O seu império se estenderá cada vez mais e não terá fim" (Isaías, 9:5,6).  Apesar da resistência tribal e guerrilheira que mantinha a idéia insana de um Deus vingativo e exclusivista, o esforço das hostes sublimares foi recompensado; uma vez que nascia na paisagem, deste orbe, o sentimento monoteísta.
A base da religião estava sedimentada no decálogo[3]. Faltava, pois, um Farol Singular, que pudesse iluminar a antiga tábua da lei e exortar o povo a compreensão dos escritos em sua pureza genuína. Séculos depois de Moisés, a chegada de um Rei (jamais visto) modificava a atmosfera da Terra. No livro Boa-Nova, o amigo espiritual, Humberto de Campos, conta-nos que, à época, “o grande império do mundo, como que influenciado por um conjunto de forças estranhas, descansava numa onda de harmonias e júbilos, depois de guerras seculares”. Antes mesmo de nascer, o Menino-Luz, anunciado nas profecias, higienizava a aura do planeta com a Sua notável aproximação.
Trinta anos se passaram desde que o brilho da estrela-guia norteou a caminhada dos Reis Magos ao encontro do Messias, segundo a tradição bíblica. Era chegado o momento. Jesus começava a divulgação da mensagem eivada de beleza espiritual.  Antes daquela hora suprema para o futuro da Humanidade, muitos filósofos, em civilizações milenares, escreveram, falaram e praticaram o amor, mas somente o Doce Rabi da Galileia viveu tudo o que diz respeito a essa emoção divinal. Através dEle, os aflitos ouviram o Sermão da Montanha, viram gestos de profunda compaixão e presenciaram a prova da renúncia máxima no holocausto da cruz. Quem fizera tanto por uma gente pobre e simples em tão pouco tempo? Absolutamente ninguém. O Evangelho[4] já estava entre nós...
[5]O Cristo ensinou a todos nós o valor de se combater o pecado, mas amar, sem limites, o pecador; deixou claro que não há sentido em mergulhar no amor de Deus, se as criaturas não canalizá-lo para o seu semelhante; retirou das mãos homicidas a faca dos sacrifícios, pois a partir do instante em que o sangue do Cordeiro Divino foi espargido no calvário, não eram mais precisos os rituais bárbaros para se chegar ao Sagrado; provou que o verdadeiro pastor tem cheiro de ovelha e recusa-se a ficar, isolado, em cima de um púlpito, assoviando lições não vividas e mostrou que quem não ama só enxerga defeitos, porque se limita ao presente; enquanto, a alma que ama vê qualidades e enxerga potenciais, haja vista que acredita na capacidade imanente do ser humano de evoluir. Dentre infindáveis lições, o Mestre também mudou a relação do religioso com as liturgias templárias, ao dizer: “entra no teu aposento e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto” (Mateus, 6:6).
Jesus deu prova viva do não-fundamentalismo. Embora, enorme conhecedor das leis judaicas, Ele não aceitou o argumento dos sacerdotes. Utilizou-se, no fundo, das codificações clericais para escapar das perguntas capciosas que almejavam derrubá-Lo. Ao passo que o totalitarismo tentava abraçar, como se fosse possível, as coisas de Deus, o Cristo visitava lugares, onde o poder instituído não queria estar: ao lado de paralíticos, cegos, surdos, mendigos, prostitutas, adúlteras... O que Lhe motivou a consolar os supostos amaldiçoados, segundo o olhar daqueles que amam o privilégio? Narcisismo, ego, aplausos. Não, nada disso. Numa síntese: caridade, o amor em ação. 
O Mestre, que conhecia a intimidade do plasma das estrelas, comprimiu – em gesto humilde – a Sua Luz esplendorosa a fim de não nos ofuscar e se utilizou dos recursos possíveis da cultura e da natureza, ambas peculiares a Galiléia, para se fazer entender naquelas simples parábolas. Mas, não nos enganemos: “as palavras dEle eram sopro espiritual ao encontro de narinas de barro”(Haroldo Dutra Dias). Por isso, muitos ainda não o compreendem, e a Besta do apocalipse retarda a aurora de um novo domingo pascal no cenário do Terceiro Milênio.
 Sob a anuência imperialista de Roma, a Igreja Católica se intitulou como interprete única dos textos bíblicos ao se valer da Segunda epístola de Simão Pedro. O pescador de Cafarnaum anotou “que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação, porque nunca, jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (Pedro, 1:20,21). À luz da fé raciocinada, essa imposição autoritarista se desconstrói. O grande mártir do Cristianismo convocou o trabalho coletivo quando escreveu “que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação”.
Em 1870, o Concílio Vaticano 1º decretou a infalibilidade do Papa. Reza a carta dogmática que o líder do Clero não erra em “decisões definitivas no campo da fé e da ética”, além de ser o sucessor de Pedro e o líder entre todos os apóstolos de Jesus. Os homens que se opusessem a determinação, dentro da igreja, seriam excomungados. Se lesse, mais atentamente, a primeira epístola de João, talvez, o Sumo Pontífice recuasse em sua intenção, tal a clareza do argumento: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (João, 1:8); mais à frente, o discípulo, bem-amado, dá outra lição exemplar: “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado” (João, 4:12). Por que, pois, tanta encenação cerimonial e luxo se o convite à participação, no concerto divino, está condicionado ao amor?
A respeito da miopia que, apenas, enxerga os tesouros de César, o apóstolo Tiago comenta: “porque o sol se levanta com seu ardente calor, e a erva seca e a sua flor caem e desaparece a formosura do seu aspecto; assim também se murchará o rico em seus caminhos”[6] (Tiago, 1:11). Na mesma carta, ainda pode-se ler: “A religião pura e sem mácula, para com Deus e Pai, é esta – visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago, 1:27). Nessas expressões de elevado cunho moral, os cristãos ouvem um apelo em direção à caridade, à vida simples e à reforma íntima, como práticas superiores aos atos externos.
Os catedráticos rechaçaram uma experiência puramente espiritual. Amantes das insígnias sacerdotais, eles arrumaram formas de conciliar a água santa do Evangelho com as impurezas do mundo, cujo Mestre afirmou ter vencido. No entanto, o regato cristalino, se colocado em contato com o lodo, irá ser contaminado; e ao observar as correntezas, ninguém se lembrará de que a sua nascente é pura. Transcorridos 2015 anos, ainda permanecemos presos aos grilhões teológicos com a mesma dúvida da mulher samaritana – Onde adorar a Deus? E com a maior boa vontade, Jesus permanece repetindo: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João, 4:24).
Foram longos os períodos em que o artificial triunfou sobre a essência, contudo os desígnios do Criador não podem ser encastelados em calabouços monásticos. Graças a Providência, o Consolador Prometido veio a estas plagas terrenas para pedir: “escutai-me. O Espiritismo, como antigamente minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande que faz germinar a planta e elevar as ondas. Revelei a Doutrina divina e, como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: Vinde a mim, todos vós que sofreis!”(O Evangelho Segundo o Espiritismo)
 Enfim, o Espírito de Verdade que o mundo não podia receber estava entre nós. Em 1857, Allan Kardec divulga a primeira edição de O Livro dos Espíritos e submete ao crivo inteligente das massas à mensagem dos Imortais. Nesse período, o genial codificador orientava-se pela voz do espírito São Luiz, que o acompanhou, de perto, na jornada de elaboração do pentateuco espírita. O nobre mentor confirmou “que os espíritos não vinham, pois destruir a religião, como alguns a pretendem, mas, ao contrário, (...) vieram sancioná-la por provas irrecusáveis”, através de expressões “sem alegoria para dar às coisas um sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a nenhuma interpretação falsa”. (Questão 1010 de O Livro dos Espíritos)
O Espiritismo transformou o paradigma de religião. Muitos cientistas e intelectuais têm urticária quando ouvem falar sobre esse termo. O atavismo histórico do espírito reencarnante o remete a eras medievais; e, num século como o atual, de conhecimentos atômicos e cosmonáuticos, as idéias arcaicas causam enorme repulsa. O ser pensante vê, nelas, uma ameaça a sua sabedoria tão arduamente conquistada. Com a Doutrina dos Espíritos, tudo muda. A visão se expande, rompe as fronteiras obscurantistas do dogmatismo e percebe, maravilhada, um Deus das galáxias.
A iluminada doutrina esclarece ainda o fenômeno das vidas sucessivas. No livro A Gênese, Kardec afirma que “com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletariado, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher”. Posta a candeia sobre o velador, a idéia de superioridade de povos e raças desaba perante a Justiça Soberana.
 Obviamente, a Terceira Revelação torna o caminho dos homens mais difícil ao classificar o bem como uma prática diária e de difícil execução, conforme já nos alertara Jesus ao falar que “estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para vida, e são poucos os que acertam com ela”. Daí, não causa espanto que a França, o berço de Kardec, e o restante da Europa, o velho continente, tenham ignorado o som da trombeta e o coro dos anjos. Crêem eles, até hoje, que Jesus veio curar os males do corpo, e não, os paralíticos da alma, que desembarcam no plano espiritual inertes devido à densidade de seus perispíritos (Nosso Lar, André Luiz). Mas, a vaidade humana não é capaz de abafar os Espíritos do Senhor. João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, Sócrates, Platão, Fénelon, Paulo de Tarso e inúmeros outros não vieram, de tão longe, à toa. Se os europeus dormem, a exemplo dos apóstolos no Jardim das Oliveiras, o Espiritismo deveria migrar para o solo em que encontraria condições de proliferação. Impossível, aqui, ignorar o médium Francisco Cândido Xavier e os benfeitores que o auxiliaram. As obras básicas deram corpo espiritual à doutrina e os mais de 400 livros psicografados, por Chico, ampliaram a aura dos ensinamentos, tornando maior o seu alcance.
Através do médium, o espírito Emmanuel convocou os corações, atentos, ao pacto de amor do Evangelho primevo e costurou, em inspirada literatura, as diferenças entre “atividade religiosa” e “serviço divino”. Na obra, Agenda Cristã, outro benfeitor, André Luiz, alertou as mãos, ávidas por benesses, sobre a necessidade de se afastarem dos holofotes da fé publicitária e vazia, ao dizer que “perdendo venceremos a batalha humana, cedendo obteremos os recursos de que precisamos, libertando conquistaremos os outros, suportando resistiremos na tempestade, sofrendo teremos mais luz (...)”.
Uma conquista formidável, que merece destaque:
 O Jesus que a Doutrina Espírita nos apresenta é um Jesus que está, a anos-luz de distância, do Jesus que a Humanidade conhece. (Haroldo Dutra Dias).
O mundo lê os evangelhos, e o que vê? Um galileu, vestido em túnica branca, filho de um carpinteiro com uma dona de casa. Então, vem o Espiritismo e repete a pergunta: “O que você vê?”. E o adepto estudioso responde: “vejo, simultaneamente, o Artesão Divino, o Artista Sideral, o Sublime Peregrino, o Psicoterapeuta de Todos os Tempos, em resumo, o Governador Espiritual do Planeta Terra”.




[1] “Olho por olho; dente por dente”.
[2] Constelação de onde vieram diversos espíritos, que reencarnaram na Terra primitiva a convite de Jesus. Naquele período, a maioria dos habitantes de Capela já vivia em clima de profunda fraternidade. As almas que vieram para o orbe terrestre perturbavam a harmonia do ambiente. Mesmo intelectualmente avançadas, elas apresentavam considerável retardo moral. Desse fato, resulta a Teoria dos Anjos Decaídos presente na Bíblia. Porém, graças a Misericórdia do Pai, muitos daqueles irmãos cumpriram a tarefa de auxiliar o progresso da Terra e, quites com a Lei de Causa e Efeito, ganharam a permissão de voltar para um mundo mais feliz.
[3]  A Primeira Revelação
[4] A Segunda Revelação.
[5] As idéias do parágrafo foram organizadas a partir de uma palestra de Haroldo Dutra Dias – expositor espírita, que, em recente trabalho, traduziu os Evangelhos do grego para a Língua Portuguesa.
[6]  Não há problema algum com a riqueza material, desde que ela tenha origem honesta e seja empregada como recurso divino.

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